É cada vez mais evidente que as fronteiras entre “underground” e “mainstream” se esbatem progressivamente. Em cada margem, há movimentações que namoriscam a outra, destruíndo as percepções tradicionais do que é esperado.

Os Animal Collective, que actuaram ontem, quarta-feira, na Casa da Música, têm em “Feels”, editado esta semana, um disco que abraça a pop como nunca antes o quarteto tinha feito. Não é por isso de estranhar que a sala portuense estivesse bastante bem composta para receber um grupo que anteriormente seria visto apenas por uma franja de melómanos mais atentos.

Ao contrário do habitual, a banda nova-iorquina não fez tábua rasa sobre o disco mais recente e o alinhamento foi dividido entre canções de “Feels” – forte candidato a álbum do ano – e temas novos, que não andam assim tão distantes da mistura de pop e ruído que encanta no último álbum.

Avey Tare dividiu-se entre a voz, que simulava gritos de animais, e a guitarra, ternamente imperfeita. No fundo do palco, o tímido Panda Bear ocupava-se dos “samples” e da percussão insana e celebratória. Ao centro, Geologist, de lanterna na cabeça, processava múltiplos sons, introduzia “samples” e acrescentava densidade aos temas. Na parte esquerda do palco, Deaken (na foto), de roupa branca e um vistoso colar, cantava, tocava guitarra ou dançava simplesmente.

A intensidade do concerto foi sempre crescendo. Depois de um começo algo frio, em que “Flesh canoe” perdeu a soltura reminiscente dos My Bloody Valentine registada em “Feels” devido a alguns problemas no som da guitarra de Avey Tare, a actuação aqueceu definitivamente com “Banshee beat” e teve uma recta final fulgurante.

“Banshee beat” é talvez o tema mais belo que os Collective já gravaram – uma guitarra mântrica e ondulante cresce graciosamente e descamba com Tare a fazer-nos pele de galinha quando canta “swimming pool” (refrão do ano?).

“Grass”, que antecedeu o “encore”, surgiu ainda mais demoníaca do que em disco, com o refrão em espasmos descontrolados de alegria e demência (“Thank you for the pain!”).

Voltaram sob um forte aplauso do público, e atacaram a inesperada “We tigers” de “Sung Tongs” (2004), incrível delírio vocal com os quatro músicos aos pulos no palco, aos berros, mesmo sem microfones por perto.

Acabaram o concerto com “The Purple bottle” – recreio infantil alucinado, cantilenas de putos, percussão irrequieta -, em jeito de síntese da estética que os torna numa das mais excitantes bandas desta década. Há centelhas de génio nestes rapazes, que habitam um mundo só deles, genuíno, festivo e só aparentemente simples como o das crianças.

Pedro Rios
Foto: Ana Sofia Marques