Grande parte do público presente ontem, domingo, na Casa da Música, pode ter sido atraído pelo nome de John Zorn (e pela possibilidade de o ver tocar saxofone), mas não se pode queixar de falta de informação: a Casa da Música anunciou antecipadamente que o músico viria apresentar o seu projecto Cobra, “game piece” composta em 1984.

O conceito do Cobra é simples: um conjunto de músicos faz uma actuação baseada na improvisação, controlada por Zorn, que em palco se coloca numa mesa, de costas para o público. As regras que regem o jogo não são inteiramente conhecidas, já que o músico receia que sejam copiadas numa versão mais reduzida, que lhe retire o interesse.

Qual árbitro, o saxofonista foi dando ordens através de uns cartões coloridos, acompanhados de letras, que mostrava aos músicos, muitas vezes apontando ainda quais deles deviam seguir determinada indicação. O estilo e o andamento serão algumas das informações contidas nesses signos. Além disso, havia outros sinais combinados, como gestos com as mãos (de corte, indicando uma variação rítmica, ou de mão fechada, como um martelo, apelando a explosões ou a mais intensidade), números indicados pelos dedos e mesmo algumas palavras, que quanto mais não seja foram entendidas pelo mover dos lábios ou pela expressividade de Zorn, que em certos momentos se limitava a acenar em sinal de satisfação.

Esses instantes, em que o “maestro” parecia demonstrar pleno deleite, coincidiam a maior parte das vezes com as partes mais caóticas da performance instrumental, que foram de facto as mais fortes e cativantes. No entanto, houve trechos para quase todos os gostos, desde jazz a música clássica e erudita, que por momentos chegou a parecer evocativa de Penderecki.

Quase invariável foi o desfecho numa espiral noise – aliás, foi recorrente a ordem para a desconstrução sempre que o rumo dos vários instrumentos parecia começar a agregar algo parecido com uma melodia coerente.

Um palco cheio de instrumentos

As texturas musicais foram variadas, até porque a diversidade de instrumentos em palco o permitia: duas baterias, dois conjuntos de percussão, três guitarras, um violino, dois contrabaixos, um piano eléctrico, um piano acústico e um contratear constituíam o impressionante arsenal.

Entre os 13 músicos, todos portugueses, oriundos de diversas linguagens musicais (pop, rock, jazz e música erudita), encontravam-se nomes como Carlos Bica (no contrabaixo) e Carlos Zíngaro (no violino, muitas vezes destacado e deixado a solo).

Todos eles foram pré-seleccionados e tiveram depois de frequentar, durante o dia de domingo, um “workshop” de improvisação com Zorn, onde ficaram a conhecer os princípios que viriam a presidir à sua actuação.

Uma das regras era uma espécie de “wild card”: o compositor nova-iorquino punha um boné e apontava para um elemento que passava a usar uma fita branca na cabeça, dando-lhe poderes de condução do “ensemble”.

A ovação final parece sugerir um público que não se mostrou defraudado, apesar da proposta musical que lhe foi apresentada se ter revelado de difícil assimilação, pelo carácter experimental e vanguardista.

Durante o concerto viram-se momentos musicais pouco ortodoxos, como um arco de violino a ser tocado num prato de bateria ou num baixo, ou martelos de São João a servir de baquetas.

A sala estava praticamente esgotada, boas notícias para uma cidade que se quer mais animada em termos culturais e para um projecto como a Casa da Música, cuja missão é também a de formar públicos (o concerto estava afinal de contas integrado no ciclo Novas Músicas).

Estar no palco pode ter sido mais divertido do que estar na assistência (a boa disposição dos músicos era evidente), mas não parecem ter sido muitos os que deram o tempo por mal empregue.

João Pedro Barros
Foto: Tiago Dias