Um relatório divulgado hoje, quinta-feira, pela UNICEF (organização internacional de apoio à criança), refere um aumento, em relação a estudos anteriores, de dois para três milhões de raparigas vítimas de mutilação genital por ano.

De acordo com o estudo “Mudar uma convenção social nefasta: a mutilação genital feminina”, o aumento registado no relatório não implica uma acentuação da prática, mas antes a existência de dados mais fiáveis.

Cláudia Pedra, da secção portuguesa da Amnistia Internacional, corrobora a conclusão: “todos os dados da mutilação genital feminina estão por baixo porque há uma série de pessoas que têm medo de represálias sociais e, por isso, não denunciam [a amputação]. Se uma criança ou uma mulher – dependendo da idade – se recusar a fazer a mutilação ou apresentar uma queixa, é ostracizada pela sociedade”, sublinha.

A responsável da Amnistia Internacional referiu ao JPN que aquilo que considera ser um “aumento dramático” poderá ficar a dever-se mais ao facto de “haver mais informação sobre casos [de mutilação] do que a ter havido um aumento exponencial”.

“O facto de se prestar mais atenção e de haver maior criminalização contribui para tornar as situações mais públicas”, diz.

A UNICEF refere que já foram amputadas 130 milhões de raparigas e mulheres nos 28 países da África sub-sariana e no Médio Oriente, onde a mutilação genital feminina está enraízada. Porém, a emigração tem vindo a disseminar a prática por outros países, aponta o estudo.

A mutilação genital – ou excisão – é uma prática recorrente na África sub-sariana e no Médio Oriente. De acordo com a tradição desses países, a excisão marca a passagem para a vida adulta das raparigas e traduz-se na ablação do clítoris, uma prática que pode levar à morte devido a infecções e hemorragias prolongadas. A infertilidade também se inscreve no rol dos efeitos da prática que, entre outras consequências, provoca ainda traumas psicológicos.

A UNICEF diz ainda que, devido ao carácter praticamente clandestino destas operações, “é impossível calcular o número de vítimas mortais”.

Prática “pode desaparecer numa geração”

O relatório da UNICEF diz ainda que esta prática “pode desaparecer no espaço de uma geração se houver apoio global”. Cláudia Pedra discorda e aponta a mutilação genital feminina como um problema de “mentalidade e educação de direitos humanos” que poderá levar “várias gerações” para ser banida.

Ainda que a UNICEF aponte uma diminuição da prática da excisão em países como Benim, Burkina-Faso, Etiópia, Iémen ou Quénia, “são pequenos os progressos alcançados para a diminuição da prática a nível global”.

Por isso, a organização refere que a eliminação da prática “vai exigir maiores esforços por parte dos governos, da sociedade civil e da comunidade internacional”.

“Tudo nos leva a crer que, através de um empenho global colectivo, essa prática possa ser eliminada no espaço de uma única geração”, afirma, no documento, a directora executiva adjunta da UNICEF, Rima Salah.

Para isso, a organização diz que tem vindo a “influenciar políticas, leis e orçamentos”, mas não deixa de apontar o papel que os líderes de opinião, chefes tradicionais e líderes religiosos, profissionais de saúde, curandeiros, assistentes sociais e professores podem ter no desencorajamento da prática.

Ana Correia Costa
Foto: UNICEF