O parlamento nepalês está hoje, sexta-feira, reunido pela primeira vez em quatro anos, depois de o rei Gyanendra ter anunciado na segunda-feira que iria devolver o poder aos deputados. Segundo a Associated Press, o edifício do parlamento foi cercado por manifestantes que reivindicam uma nova constituição para o país, que assegure um sistema democrático multi-partidário.

O nome escolhido para desempenhar as funções de primeiro-ministro, Girija Prasad Koirala, com 84 anos, não pôde estar presente na primeira sessão do parlamento por sofrer de uma doença pulmonar. Antigo primeiro-ministro e actual líder do partido do Congresso Nepalês, Koirala foi escolhido pela aliança de sete partidos que se uniram no início da crise para fazer frente ao rei.

Em representação de Koirala, o porta-voz do parlamento, Chitra Lekha Yadav, propôs à assembleia de 205 deputados uma trégua com os rebeldes maoístas e a convocação de eleições para a assembleia constituinte.

Em 2002, o rei decidiu retirar os poderes ao Parlamento, acusando o então primeiro-ministro, Sher Bahadur Deuba, de ter fracassado em chegar a um acordo com os rebeldes maoístas que exigem o estabelecimento de uma assembleia constituinte e a limitação dos poderes do monarca.

Em Abril deste ano deu-se uma escalada de violência que causou um total de 15 mortos antes do anúncio do rei no dia 24. De acordo com a BBC, os conflitos entre as autoridades e os rebeldes já causaram 13 mil mortos desde há 10 anos. Ontem, os maoístas declararam uma trégua de três meses, depois de negociações com os partidos.

De acordo com o analista político indiano, P.G. Rajamohan, “os maoístas mostraram a sua dedicação para chegar a um entendimento com os partidos e estão desesperadamente à procura de uma ‘aterragem suave’ para a sua luta armada e violenta que já dura há uma década”.

Investigador no Institute of Peace and Conflict Studies, Rajamohan explica que “não vai existir nenhum espaço para a monarquia em futuros desenvolvimentos entre maoístas e os partidos, porque ambos foram seriamente vitimizados pela monarquia”.

Por seu lado, o professor de Ciência Política da Universidade de Michigan, Mahendra Lawoti, afirma que caso o rei “aceite uma posição enfraquecida para a monarquia, os partidos políticos podem protegê-lo porque, nas suas ligações aos maoístas, só beneficiarão da continuidade de uma monarquia formalmente impotente”.

Autor do livro “Towards A Democratic Nepal”, Lawoti explica que neste momento a situação ideal para o Nepal seria uma integração dos maoístas na política partidária, mas para que tal aconteça serão necessárias reformas políticas, económicas e sócio-culturais. O analista afirma que, caso os maoístas venham a integrar o sistema multi-partidário, podem vir a ser um dos partidos mais poderosos. P.G. Rajamohan refere que, dadas as especifidades da ideologia dos maoístas, estes não têm alternativa se não aceitar a democracia multi-partidária porque, de outra maneira, ficarão isolados.

O académico indica que uma nova constituição que venha a ser criada deve “enfatizar mais a democracia e não deve dar espaço para dominação de um partido sobre outro”. Rajamohan explica que a constituição “não deve ser usada como uma ferramenta para usurpar poderes” nem “deve dar poderes extraordinários a nenhum partido, excepto a um governo eleito democraticamente”. O analista salienta que “acima de tudo, as forças armadas devem ser mantidas estritamente sob controle de um governo eleito”.

Tiago Dias
Foto: SXC