Os Kronos Quartet existem há já 23 anos e contam com um repertório de 41 álbums, sem contar com gravações adicionais. Ontem, quarta-feira, à noite, demonstraram no Auditório de Serralves, no Porto, que a sua experiência na música clássica contemporânea se encontra já em esferas superiores e conseguiram a proeza de exibir vários filmes e paisagens sem recurso a uma única imagem.
São famosos pelas dramáticas bandas sonoras que desempenham a partir dos seus compositores favoritos, de uma variedade espantosamente eclética. Já gravaram a música de películas como “21 Gramas”, “Drácula” de Bram Stoker e aquele que mais os popularizou em Portugal e internacionalmente, “Requiem for a Dream”, de Darren Aronofsky.
Ontem à noite tocaram para um auditório lotado que dificilmente estaria preparado para tal demonstração de virtuosimo. Iniciando o concerto calmamente, com uma composição de cordas de contornos celtas e detalhes árabes, o quarteto depressa conquistou os presentes com um tema de um compositor indiano, RD Burman, invadindo subitamente a sala com as imagens de Bollywood, impostas ao público tanto pelos “samples” multicores, como pelas digressões harmónicas dos três violinos e o violoncelo.
É impressionante como recondicionam instantaneamente o ambiente da sala, como se o seu trabalho tratasse realmente de imagens. Ao longo dos temas executados, e também devido à electrónica surreal que sobrepõem aos instrumentos, imprimem um dramatismo cinemático na execução que subitamente lembra Hitchcock, sendo impossível presenciar a acutilância com que manejam os arcos sem que o espectador se recorde das facadas de “Psycho”.
Após uma versão de Sigur Rós trocam de instrumentos para homenagear um outro compositor indiano e a cítara entra em cena. Por entre os mais arrojados devaneios emocionais do violino de John Sherba, David Harrington, violinista condutor do quarteto, maneja uma concertina como quem abre e fecha um livro, absorto na elaboração das mais hipnóticas harmonias. O concerto cresce em utilização de meios electrónicos chegando a proporções industriais, para degenerar numa segunda parte mais clássica, de música de câmara e contemporânea.
Com “Triple Quartet”, de Steve Reich, sobrepõem instrumentos pré-gravados aos que executam em tempo real, adicionando progressivamente outras vozes, o que escala numa espiral apoteótica de uma inquietude perturbante. Terminam em êxtase o alinhamento formal e o público não descansa enquanto não perfazem três ‘encores’, que para muitos foram o melhor do concerto.
Em cada um, uma homenagem: a única música que encontraram para demonstrar a sua solidariedade com o povo iraquiano (segundo David Harrington, uma “música popular iraquiana dos anos 70 chamada ‘O Mother the Handsome Man Tortures Me'”), seguido de uma versão do hino americano tal como tocado por Jimi Hendrix no Woodstock de ’68, que incrivelmente consegue ter mais “feedback”, caos e distorção que o original. Terminam com uma última homenagem a Carlos Paredes que dizem sempre ter admirado, assim como ao compositor recém falecido, o núbio Hamza El Din.
“Carlos Paredes tinha uma luz fantástica”
O violinista condutor dos Kronos Quartet, David Harrington, reafirmou ao JPN a sua profunda admiração por Carlos Paredes, enquadrando-o no panteão dos “músicos que conseguem redefinir o instrumento que executam e toda a música por arrasto, com a mera intenção de exprimir o que sentem”.
A sua admiração pelos Madredeus também é grande. “Somos fãs do trabablho deles”, disse, não pondo de lado a hipótese de colaboração com a banda lisboeta, afirmando que receberia com agrado o convite.
David Harrington adiantou ainda que os Kronos Quartet acabaram de concluir a gravação da banda sonora para o novo filme de Darren Aronofsky, “The Fountain”, que ainda se encontra em pós-produção e que deverá sair em Outubro.