No dia do oitavo aniversário do referendo sobre o aborto, a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) homenageou Lisete Moreira, que morreu há nove anos vítima de um aborto clandestino.

“Queremos chamar a atenção para mudar a lei portuguesa, que prejudica a dignidade das mulheres, e lembrar alguém que faleceu em consequência de um aborto clandestino”, disse Maria José Magalhães, dirigente da UMAR, numa conferência, hoje, no Porto.

“A Lisete morava no Bairro do Aldoar, num barraco. Tomou uns comprimidos [para abortar] e ficou “oito dias em coma”. “O médico disse-me que o remédio que ela meteu servia, antigamente, para desentupir as fossas”, contou ao JPN Júlia de Sousa Saraiva, mãe de Lisete.

Tal como esta mulher de 37 anos, grávida de cinco meses, mãe de três filhos e com poucos recursos económicos, há muitas mais a abortar clandestinamente na freguesia de Aldoar. A presidente da Associação de Moradores da zona, Esmeralda Mateus, é a primeira a assumir que ajuda “as mulheres a arranjar as pastilhinhas” para abortar.

“Há muitas jovens a fazer abortos clandestinos. Por acaso correu mal com a Lisete. Há lá miúdas a fazerem abortos com 14 e 15 anos. Umas encobrem, outras contam umas às outras e outras são ajudadas pelas próprias mães”, traça. Esmeralda Mateus, que mora há 38 anos no bairro, completa: “é muito melhor abortar do que andarem as crianças descalças e a pedir pão”.

O especialista em medicina legal José Pinto da Costa, também presente no encontro, responsabilizou a Assembleia da República pela “condenação à morte das ‘Lisetes’ de Portugal”. Pinto da Costa admitiu que a classe médica não está preparada para a legalização do aborto. “Muitos invocam o estatuto de objector de consciência. Depois acontecem coisas, como num hospital português, onde os médicos diziam-se objectores de consciência e faziam abortos cá fora”, atirou.

O médico orientou o seu discurso para a desigualdade e hipocrisia sociais. “As mulheres, que ainda vivem na miséria, são arrastadas ao tribunal ou ao cemitério”.

Novo referendo pode ser em Janeiro

O novo referendo sobre a despenalização do aborto deverá realizar-se em Janeiro, de acordo com as declarações do porta-voz do PS, Vitalino Canas, ao jornal “Público”. A 15 de Setembro, os socialistas apresentam no Parlamento a resolução para convocar o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG) até às 12 semanas.

Hoje, em conferência de imprensa, em Lisboa, o PCP anunciou que vai em Setembro um projecto-lei para despenalizar a IVG. Oito anos depois do primeiro referendo, a 28 de Junho de 1998, a dirigente comunista Fernanda Mateus destacou a acção do “movimento pela despenalização do aborto”, criado em Fevereiro, e que conta com os escritores José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues e as actrizes Fernanda Lapa ou Lia Gama.

Até Outubro, o grupo vai recolher assinaturas para entregar na Assembleia da República, reclamando a aprovação da despenalização do aborto.

Texto e foto: Carina Branco