Muito já se falou sobre as consequências que um afastamento brusco e prolongado dos pais no crescimento da pequena Andreia, a bebé de Penafiel que com três dias de vida foi misteriosamente levada do Hospital Padre Américo e que 13 meses depois foi encontrada na casa de uma mãe que queria à força que a bebé fosse sua filha.

Se há psicólogos que acreditam que a bebé não vai sofrer com a quebra dos laços afectivos com a “mãe fictícia”, outros, porém, são de opinião contrária. Mas neste jogo de perdas, há um outro lado. O de Alice Ferreira, a mulher que raptou Andreia. O que leva uma mulher a simular uma gravidez, raptar uma criança do hospital para, como confessou à PJ, “agarrar o companheiro”? “É um case study”, diz Carlos Alberto Poiares, do Departamento de Psicologia dos Comportamentos Desviantes da Universidade Lusófona.

Para Joana Almeida, psicóloga criminal, a explicação pode estar na “dependência” da mulher face ao modelo masculino. “O rapto foi feito com o objectivo de a criança servir de elo de ligação entre ela [Alice] e o companheiro”, explica.

Numa situação destas, dizem os especialistas, os riscos não são calculados. Carlos Poiares, não tem dúvidas que há um acto inconsciente. “Ao nível da consciência da ilicitude, julgo que a mulher fez uma construção fantasiosa do real. E nessa construção fantástica ela já que acreditava que a filha era mesmo sua”, refere.

Joana Almeida é da opinião que, pelo tempo que conviveram juntas, Alice estabeleceu laços maternais com Andreia. “O ser mãe não é só trazer o bebé ao mundo, engloba outras coisas como uma relação de afecto para com a criança, e nesse sentido, é natural que a raptora tratasse a bebé como filha”, afirma.

Já Fernando Magalhães, da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto, considera que as atitudes de Alice enquadram-se um comportamento psicopático e desviante. “Há quadros de psicopatologia em que as pessoas conseguem viver num mundo à parte, quebrando as normais e regras sociais”, descreve.

Todos concordam que, tal como acontece com os pais biológicos da pequena Andreia, Alice deve ter um acompanhamento porque, como diz Carlos Poiares, “este é um crime que se manteve durante 13 meses e, portanto, há toda uma série de questões do lado da mulher que devem ser trabalhadas pela psicologia”.

“Companheiro negligente”

Foram 13 meses de uma história de ficção, mas segundo Carlos Poiares, podia ter sido a história de uma vida inteira. “Isto tinha um grande significado para ela. Foram 22 meses que viveu nesta efabulação: nove de gravidez falsa e treze de convivência com a bebé”.

O psicólogo forense estranha ainda o comportamento do companheiro de Alice. “A disfunção não é só da grávida mas também do marido que é, pelo menos, negligente”, aponta. “E se só estava em casa ao fim-de-semana, mais necessidade tinha de acompanhar a mulher e, provavelmente veria melhor se a mulher estava ou não grávida”, conclui Carlos Poiares, admitindo que “gostaria muito de estudar” este caso.