“L’Orfeo”, a “favola in musica” composta em 1607 pelo italiano Claudio Monteverdi, é considerada o ponto de partida de uma das artes que mais paixões e ódios despertou e continua a despertar: a ópera.
Na realidade, os 400 anos são uma data simbólica. Henrique Silveira, melómano e autor do blogue “Crítico Musical“, explica que a ópera faz, isso sim, 410 anos.
“Em 1597, foi realizada em Florença a ópera ‘Dafne’ executada em privado e da qual não sobrevive praticamente nada”, esclarece. A obra composta por Jacopo Peri e Giulio Caccini foi alvo de grande admiração por ser uma forma musical completamente nova. No entanto, “a primeira ópera que ficou e que é muito conhecida é o ‘Orfeo’ de Monteverdi”, justifica.
Vista actualmente como um espectáculo para as elites, muitos desconhecem que a origem da ópera reside no povo. Jorge Rodrigues, membro do coro do São Carlos, relembra como a nova forma musical foi recebida. “A ópera, desde que nasceu nas cortes nobres italianas, tornou-se logo um espectáculo tremendamente popular”, salienta. “Abriram teatros para o povo em Veneza com bilhetes pagos e imediatamente tiveram que abrir mais dada a afluência”.
“Espectáculo de exagero”
Mas afinal, o que torna a ópera um espectáculo tão incontornável? Henrique Silveira considera que é a combinação entre a música e o teatro. A “Gesamtkunstwerk” (obra de arte total), na definição de Wagner, tem “um conjunto de raízes que radicam na essência própria do ser humano, que é a representação do mundo”, entende.
O primeiro contacto com o universo da ópera é algo que fica retido na memória de quem o viveu. Jorge Rodrigues lembra-se “perfeitamente” desse momento. “Foi uma ‘Manon Lescaut’ de Puccini. Fiquei absolutamente deslumbrado com os cenários, com os sons que saíam da orquestra, com os cantores a dar agudos”, recorda com satisfação.
Henrique Silveira, confesso wagneriano, traz à memória a primeira ópera que assistiu no Festival de Bayreuth (dedicado sobretudo à obra de Wagner), na Alemanha – o “Tannhäuser”. “A emoção foi tão grande ao ouvir naquela sala aqueles acordes da abertura que me comovi”, refere.
À medida que os espectáculos se sucedem, os níveis de exigência de um amante de ópera vão aumentando. Jorge Rodrigues entende a ópera como “um espectáculo de exagero no bom sentido”. “Quando não se atingem essas proporções não me agrada”, afirma.
O espectáculo tem de ter “algo de sobrehumano”. “É por isso que se chamam divas e divos aos grandes cantores, porque eles colocam-se num patamar sobrehumano. Se não há isso em ópera, não existe a ópera”, conclui.