Manifestação antifascista reuniu milhares de pessoas entre os Poveiros e a Batalha. O protesto anti-imigração, do Grupo 1143, foi acompanhado por um forte dispositivo policial e recebido com insultos.


A tarde deste sábado (6) ficou marcada por momentos de tensão, insultos e alguns desacatos na baixa do Porto. As escaramuças envolveram elementos do grupo de extrema-direita 1143 e de um conjunto de coletivos anti-fascistas que saíram à rua para falar da crise da habitação. Os desacatos foram rapidamente resolvidos pela Polícia de Segurança Pública (PSP), que se encontrava em massa na rua, sobretudo na segunda manifestação da tarde.

As duas manifestações foram marcadas para horários e itinerários diferentes, mas próximos. A primeira – uma contramanifestação organizada em resposta à promovida pelo Grupo 1143 – foi agendada para as 15h30, e teve como lema “Contra o Fascismo, Mais e Melhor Habitação”. Começou na Praça dos Poveiros e estendeu-se até à Praça da Batalha, contando com milhares de pessoas.

A segunda – “Menos Imigração, Mais Habitação” – agendada para às 17h00, começou na Praça D. João I e estendeu-se até à Praça Almeida Garrett, em frente à Câmara Municipal do Porto, onde os insultos se intensificaram.

Promovida pelo Grupo 1143 e liderada por Mário Machado, conhecido militante da extrema-direita e acusado no passado de vários crimes, o protesto teve muito menos adesão do que o primeiro protesto da tarde, contando com, aproximadamente, uma centena de manifestantes. 

Já passava das 18 horas quando, na Praça D. João I, os desacatos entre o movimento antifascista e a extrema-direita começaram, com trocas de insultos. De mãos cerradas com cravos, os membros da manifestação promovida pelo Habitação Hoje gritavam “fascistas!”, enquanto o grupo oposto cantava o hino nacional e gritava as palavras de ordem: “Pelo futuro do povo português. Portugal é nosso”. Antes do arranque da manifestação foram atiradas bolas de tinta por parte de alguns jovens contra os manifestantes de extrema-direita.

Passados 20 minutos, o protesto seguiu da Praça D. João I rumo à Câmara Municipal. No entanto, na Rua Sá da Bandeira, ocorreram novamente insultos e foi queimado um contentor do lixo.

A manifestação, acompanhada por um cordão policial que impediu a reportagem do JPN de chegar aos manifestantes, chegou aos Aliados às 19h00, com o movimento anti-imigração a lançar foguetes e a acender tochas. À espera da chegada da extrema-direita estavam manifestantes do protesto “Contra o Fascismo”, que acabara uma hora antes, e alguns portuenses. “Não passarão”, gritavam. “Já passámos”, respondia alguém do Grupo 1143. 

“Todos têm o direito de viver onde quiserem”

Para os manifestantes do grupo nacionalista 1143, “a imigração é o maior problema para a crise habitacional e para o aumento do valor da habitação”, como afirmou Mário Machado ao JPN em vésperas de vir ao Porto. Mas foi para contrariar essa ideia que muitas pessoas se juntaram à contramanifestação do movimento Habitação Hoje.

Mário Cordeiro é vendedor, tem 53 anos, e estava de passagem pelo Porto quando se deparou com as manifestações. Na sequência do que viu, o vendedor não conseguiu deixar de intervir: “Sou uma pessoa que acha que se lutou muito pela liberdade e por vivermos num país onde todos têm o direito de viver onde quiserem e como quiserem”, disse ao JPN. Concluiu com a certeza que que não se pode tolerar “que tentem destruir tudo o que foi conquistado ao longo destes anos”. Já Cláudia Brandão, com 37 anos, é portuense e decidiu juntar-se à manifestação “contra a extrema-direita” pelos “direitos e liberdades de toda a gente” com a esperança de “que isto não dê para o torto”.

Com várias palavras de ordem direcionadas ao Grupo 1143, um jovem de 19 anos criticou quem “culpa os imigrantes que não têm culpa nenhuma”. “Não quero que saiam à rua sem ter uma forte resistência contra eles”, reiterou ao JPN. Ao lado está outro jovem de 20 anos que, sendo imigrante, afirma que já foi vítima de xenofobia em Portugal. Além disso, e apesar de ser “português no papel”, disse ao JPN que ainda não conseguiu arranjar uma casa na Invicta.

Livre critica PSP por ter autorizado manifestação anti-imigração

Num gesto de solidariedade com a comunidade imigrante e com o objetivo de lutar pelos direitos da habitação, milhares de manifestantes juntaram-se à manifestação “Contra o Fascismo” na Praça dos Poveiros. 

A manifestação “Contra o Fascismo, Mais e Melhor Habitação” reuniu milhares de manifestantes. Foto: Jaime Silva

No protesto, marcaram presença várias pessoas com lenços, bandanas e máscaras a cobrir a cara, o que foi justificado por um jovem – que pediu para não ser identificado – como “uma questão de segurança, visto que é uma manifestação propensa à hostilidade mesmo por parte das forças de seguranças e para não ser identificado visualmente”.

Jorge Pinto, de 36 anos, deputado do Livre eleito pelo círculo do Porto, também marcou presença. Perante a autorização de uma “manifestação de um grupo neonazi que não devia ter acontecido”, considerou “importante mostrar que não há espaço para este tipo de manifestações”. Para o deputado, aproximam-se “tempos complicados” pelo que é necessário “perceber o que o Partido Social Democrata (PSD) e Centro Democrático Social (CDS) vão preferir: dialogar com a extrema direita ou com as forças democráticas”, afirmou numa referência ao contexto político resultante das eleições de 10 de março.

Alguns imigrantes também se juntaram ao protesto. Gabriela, de 36 anos, decidiu marcar presença porque acredita “que é importante sermos parte da luta que também é nossa, pelo 25 de Abril, sempre”. “É incoerente”, esta é a opinião da imigrante quanto à posição de quem afirma que a habitação e a imigração são tópicos relacionados. Para Gabriela, a  resposta para os preços da habitação são as “grandes empresas por trás desses aumentos”. Zenith Ferreira de 35 anos é analista financeira e sublinha que, “depois da percentagem do Chega [nas eleições de 10 de março]”, os imigrantes devem “mostrar a sua voz sobre estas ideias”. 

“A culpa é dos imigrantes? Estamos aqui para dizer que não”, este foi o grito de ordem feito por um imigrante no Jardim de São Lázaro. Ao longo do protesto até à Praça da Batalha, o coletivo antifascista gritou “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais” e “fascistas chegou a vossa hora, os imigrantes ficam e vocês vão embora”. 

“Não há espaço para a extrema-direita colocar narrativas que são aberrantes, que são falsas, são fracas, ainda por cima”, disse ao JPN Romain Valentino da Habitação Hoje. O ativista nega que a imigração seja a causa da subida do preço das casas em Portugal e apela à memória dos portugueses: “É extremamente fácil desmontar a ideia de que a imigração teria um impacto sobre a habitação, porque a crise da habitação é muito anterior a isto”.

A organização recorda que “há 20 mil [edifícios] devolutos na cidade do Porto” – espaço que não está a ser ocupado por habitação -, e que “há 2% de habitação pública neste país”, percentagem que os promotores da manifestação apontam como manifestamente insuficiente para responder à procura da habitação em Portugal.

Ao JPN, a Polícia de Segurança Pública revelou não ter feito qualquer detenção na sequência das manifestações. Foram, no entanto, identificados três cidadãos do sexo masculino de “extrema-esquerda”, de acordo com a PSP. Dois dos suspeitos tinham consigo um petardo, sendo que um deles também agrediu a polícia. A identificação do terceiro indivíduo deveu-se à captação ilícita de imagens de agentes de autoridade, tendo sido depois encontrada na sua posse uma navalha.

Artigo atualizado às 12h55 do dia 9 de abril, com informação da Polícia de Segurança Pública com informação da Polícia  de Segurança Pública sobre a operação levada a cabo no último sábado.

Editado por Filipa Silva