Portugal é um dos países de maior risco de cheias. No Congresso da Água foi apresentado o “ranking” dos países de risco: entre os 90 considerados, Portugal ocupa o 37º lugar.

Ano após ano, as imagens repetem-se. Ruas e casas inundadas. A azáfama de quem tenta salvar, a todo o custo, alguns bens de maior importância. Este é o cenário que as cheias levam anualmente ao Norte do país. Há mais de dois séculos que o Porto, Gaia, Peso da Régua e outras localidades das margens do Douro conhecem a rotina das cheias. Mas tem sido nos últimos anos que o fenómeno se tem feito sentir com mais regularidade.

O JornalismoPortoNet tentou ir ao encontro das principais causas que estão na origem das cheias e das possíveis soluções para o problema. Fomos ainda a Miragaia, uma das zonas mais fustigadas, falar com proprietários de estabelecimentos e com a presidente da Junta de Freguesia, que partilham das mesmas preocupações.

Miragaia, uma das zonas mais afectadas

A zona de Miragaia é uma das mais afectadas do país. Por este motivo, foi proibida a utilização do rés-do-chão dos edifícios para efeitos habitacionais. O piso que se encontra abaixo do nível do rio é agora ocupado apenas por estabelecimentos comerciais. Resignação e conformismo são os sentimentos que predominam entre os proprietários daqueles estabelecimentos. Dizem que quanto às forças da natureza nada há a fazer e que, portanto, só lhes resta encarar a situação com naturalidade e tentar minimizar os prejuízos.

Esta opinião é também partilhada pela presidente da Junta de Freguesia de Miragaia. Em declarações ao JornalismoPortoNet, Ana Maria Pereira diz que “há que encarar Miragaia como uma zona de risco” e, como tal, defende a existência de uma “discriminação positiva para este espaço”. As zonas mais fustigadas pelas cheias merecem, na opinião da autarca, um tratamento especial por parte do Estado, que passe nomeadamente pela criação de subsídios para os danos causados e de uma linha de apoio às vítimas.

A resignação dos proprietários

Os proprietários já não contam com indemnizações. Esperam apenas o apoio da Protecção Civil, entidade em relação à qual não mostram qualquer tipo de descontentamento. “Normalmente, a Protecção Civil, avisa-nos com algum tempo de antecedência, o suficiente para retirarmos do estabelecimento os principais haveres. Uns salvam-se, outros não. Os maiores e mais caros, como os balcões e as arcas, acabam por ficar”, disse ao JornalismoPortoNet António Manuel, proprietário de um café em Miragaia. Apesar do auxílio da Protecção Civil, que coloca à disposição dos comerciantes carrinhas de transporte, há sempre prejuízos elevados. Mesmo assim, os proprietários não pensam em vender os estabelecimentos nem em mudar de sítio. A zona de Miragaia, bem como a maior parte dos locais mais afectados pelas cheias, são espaços históricos da cidade. Trata-se de locais de atracção turística, extremamente rentáveis. “Os prejuízos causados pelas cheias são compensados pelos lucros obtidos no Verão”, confirma um funcionário de um estabelecimento.

Abandonar Miragaia está fora de questão para os comerciantes e para a presidente da Junta, para quem “uma atitude desta natureza levaria à desertificação de zonas de interesse histórico”.

Solução para o problema

Para Bordalo e Sá, hidrobiólogo do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar, a criação de planos de ordenamento para as margens do Douro é a única solução para minimizar os prejuízos causados pelas cheias. Em declarações ao JornalismoPortoNet, o especialista diz que “Portugal tem um péssimo sentido de urbanismo. Hoje, assiste-se à expansão de população nos leitos das cheias, o que contribui para aumentar os seus danos”. Bordalo e Sá acrescenta ainda que “há uma espécie de contradição na política urbanística portuguesa: por um lado, o Estado autoriza a construção e fixação de estabelecimentos nas zonas críticas e, por outro, são-lhe exigidas medidas de protecção, situação que se traduz numa incompatibilidade”.

Proibir o funcionamento de estabelecimentos nas zonas afectadas anualmente pelas cheias é, na opinião do hidrobiólogo, a única solução possível, já que, quanto ao Douro, o grande responsável pelos danos, nada há a fazer.

Explicação científica

“Apesar de não ser o maior, o rio Douro é o que tem o maior caudal entre os rios da Península Ibérica. Para além disso, trata-se de um rio muito sujeito aos caprichos da natureza. A forte pluviosidade em tempo curto, característica do Norte do País, aliada ao sistema montanhoso da margem Norte do Douro, proporcionam um aumento cíclico de caudal dos afluentes do Douro”, explica Bordalo e Sá.

Sempre se pensou que as barragens seriam uma forma racional de controlar estes aumentos de caudal. No entanto, nem sempre isto se verifica. Prova disso são as constantes cheias. Segundo o especialista, a explicação é simples. As barragens portuguesas foram construídas em forma de cascata. Guardando uma distância de cerca de 30 Km entre elas, as cerca de 50 grandes barragens existentes ao longo do Douro vão acumulando água temporariamente até a libertarem, impedindo assim um aumento excessivo de caudal. Contudo, quando a pluviosidade aumenta, o caudal aumenta também. E sendo impossível reter a água acumulada eternamente, assim que a barragem fica cheia, essa água é libertada, originando, inevitavelmente, cheias. Neste caso, a função da barragem é apenas a de atrasar o fenómeno.

Ana Guedes Rodrigues