Ao saber que estava aberto o caminho para a democracia, o que é que lhe ocorreu em primeiro lugar? Qual foi o seu primeiro sentimento que teve face ao rumo que os acontecimentos estavam a levar?

Marcelo Rebelo de Sousa – O meu primeiro sentimento é que era preciso rapidamente pensar na formação de um partido político.
Havia o Partido Comunista – que era uma realidade – e o Partido Socialista – embora incipiente, no fundo existia como partido desde 73 – mas tinha o seu espaço. Era preciso criar um novo partido que correspondesse ao que era na altura o “Centro – Esquerda”, ou “Esquerda Moderada”, era mais para aí do que para o “Centro” ou para o “Centro – Direita”.
Os próprios Socialistas, para equilibrarem em relação ao Partido Comunista, exigiram muito nesse sentido. (…) Portanto, eles próprios insistiam que, para ficar numa posição central, era preciso que um outro partido arrancasse.
Aí havia grandes debates se era a SEDES que se ia converter em partido, o que se tentou, mas não foi possível, porque havia na SEDES gente mais à esquerda que não concordava com isso e achava que a SEDES devia continuar a existir como uma forma de convergência de gente de vários partidos. Debatia-se se seria uma ala da SEDES que sairia – como acabou por ser… (…)
Aí o Expresso foi tão importante quanto isto: durante uns tempos, a sede do PPD foi o Expresso!
Até abrir no dia 16 de Maio a primeira sede no Largo do Rato, de facto, entre o 25 de Abril e 16 de Maio, tudo passou pelo gabinete do Balsemão e pelo meu gabinete.
Eu dactilografei numa máquina do Expresso o Comunicado que foi lido no Telejornal a anunciar a criação do Partido Popular Democrático. Foi lá que houve a conversa com o Rubén A., que era na altura membro do conselho editorial, que sugeriu o nome “Partido Popular Democrático” e por aí em diante!
Portanto, digamos que houve ali uma fase transitória em que se percebia que a democracia se fazia com partidos. Já não era possível fazê-la com iniciativas individuais, com movimentos cívicos ou associações mais ou menos inorgânicas.
Era preciso criar um sistema partidário num espaço de tempo relativamente curto. Era preciso pôr de pé um governo provisório e era preciso pôr as instituições a mudar. Havia muita coisa que era preciso mudar.

Que memória é que tem dos tempos que se seguiram ao 25 de Abri;, do Processo Revolucionário em Curso – PREC?

MRS – Foi muito complicado! Muito complicado!
Houve uma revolução! Quer dizer, não foi uma transição democrática e pacífica como em Espanha. E na Revolução havia várias sensibilidades e vários modelos doutrinários e ideológicos.
Portanto, assiste-se, pelo menos durante um ano e meio, ao confronto entre vários modelos. Havia grosso o modo um modelo “Europeu”, tipo União Europeia, um bocadinho mais à esquerda que era partilhado pelo PPD, mais tarde pelo CDS e por uma parte do PS, que foi indo aos poucos para esse modelo e acabou por ter um papel liderante. Havia um modelo mais próximo das chamadas democracias populares de Leste, que eram do Partido Comunista, do MDP/CDE e de um outro sector Socialista.
Havia movimentos Terceiro Mundistas Socialistas mais ou menos auto-gestionários, levando mais longe a componente popular, quer um bocadinho a UDP, quer os vários partidos de extrema esquerda que, naquele início de Democracia, eram muitos. Não se sabia que peso tinham, só se soube depois nas eleições. E eram muito activistas, desequilibrando o pêndulo que já estava naturalmente desequilibrado para a esquerda, como era natural numa revolução contra a direita ditatorial.
Numa primeira fase, com Spínola, parece ganhar um modelo mais moderado mas depois ele quer-lhe dar contornos bonapartistas e isso é rejeitado por uma coligação de forças centrais com todas as forças à esquerda. Depois, entra-se numa fase de equilíbrio momentâneo entre Setembro/Outubro de 74 e Março de 75. Spínola tenta regressar já com o apoio de uma base ampla em que Socialistas entravam, preocupados com a radicalização da Revolução. O regresso é precipitado e sai derrotado no 11 de Março.
Há um crescendo do modelo de esquerda ortodoxa com o peso do Partido Comunista coligado pontualmente com a Extrema Esquerda, o que é muito raro verificar-se, mas houve isso em certa fase, até ao pino do Verão de 75. (…) Entretanto houve eleições para o arranque da Constituinte.
Há o debate sobre a “Constituição ou Revolução”: se não se devia fechar a Constituinte para ficar só a Revolução (…) e os deputados da Constituinte – como eu – dizíamos “Não! A Constituição é Fundamental – além do mais, para pôr fim a esta indefinição revolucionária! Não se pode viver nela indefinidamente!”
Há um período de equilíbrio e depois, rapidamente, ganha a Constituição sobre a Revolução. Inicialmente, ganha progressivamente o modelo Europeu e Ocidental sobre os outros modelos, mas num processo ainda com altos e baixos.
Há depois uma fuga do sector mais de Esquerda, Extrema Esquerda e Otelistas que realmente tentam travar essa evolução. Em qualquer caso, ela concretiza-se com o 25 de Novembro. Depois, a fase final da feitura da Constituição entre o 25 de Novembro e a aprovação final em 2 de Abril de 1976, é já um período de acalmia progressiva, tanto quanto se pode falar nisso.
À distância parece que, de normalização, na prática, não foi assim tão fácil quanto isso, mas, em qualquer caso, significava o fim da Revolução e o começo da estabilização política no caminho para a Democracia.

Reportagem: Hugo Correia

Fotografias: Márcio Cabral