Na sequência do discurso do presidente norte-americano e da resolução que Washington e Londres apresentaram à ONU, o JornalismoPortoNet entrevista o general Loureiro dos Santos.

Os dois grandes objectivos da coligação, neste momento, são “conseguir a estabilidade no Iraque e transferir a soberania para os iraquianos”. Metas que só serão atingidas caso se alcance o mínimo de segurança, refere o general.

De acordo com Loureiro dos Santos “não pode haver muita confiança nem muita esperança num futuro próximo”, mas o general acredita que é possível “estabilizar o Iraque e mantê-lo unido”.

Como analisa, do ponto de vista político-militar, a situação interna no Iraque?

As divisões dos vários grupos do Iraque e de outros que estão a actuar por fora, todos eles têm os seus exércitos próprios e privados, que actuam pela força em benefício dos interesses políticos de determinado grupo.

Neste momento, os curdos têm milicias próprias, com os xiitas acontece a mesma coisa e com os sunitas está a ser refeito, de certa maneira, com a cobertura e talvez com a impotência dos Estados Unidos, o exército de Saddam, que controla agora Fallujah.

Por outro lado tem havido um grande incentivo às próprias tribos locais e aos chefes das tribos para constituírem os seus exércitos. Nós não sabemos se esta pulverização de forças, cada uma ligada a um partido, não vai dar uma grande confusão no Iraque, a exemplo da confusão que já provocou a mílicia da facção de Moqtad Al-Sadr. Até que ponto é que será possível impedir esta confusão que pode descambar em guerra civil?

E admite a hipótese de uma guerra civil após a transferência do poder?

Esta é que é a grande interrogação, mas eu julgo que se houver um grande compromisso da comunidade internacional, um grande esforço em passar o poder político aos iraquianos e se os iraquianos a nível politico alcançarem um entendimento de equilíbrios, em que evidentemente a maioria terá que ter o poder, que são os xiitas, mas mantendo uma voz activa dos vários grupos, talvez se resolva.

Todo este conjunto de problemas que existem no interior do Iraque, como pontos de vista completamente divergentes entre certos grupos, há coisas que são essenciais para os sunitas que os xiitas não aceitam, há coisas que são essenciais para os curdos que os xiitas não aceitam, há coisas que são essenciais para os xiitas que nem os sunitas nem os curdos aceitam…

Se não se encontrar um mínimo denominador comum relativamente a isto tudo e havendo uma pulverização de grupos armados, como os combatentes da Al Qaeda e os terroristas, que estão interessados em reforçar o caos e a confusão no meio disto tudo porque lhes interessa que a situação seja de tal modo que se instale um regime fundamentalista islâmico apoiado por eles. Ou seja, se a segurança não progredir, nessa altura eu julgo que é muito difícil evitar uma guerra civil.

Quais as consequências na região de uma guerra civil no Iraque?

Uma guerra civil na região do Iraque não é uma guerra só no interior do Iraque. Nessa altura o Irão vai querer ter uma palavra, porque é evidente que pretenderá dominar no mínimo a zona xiita do Iraque. Por outro lado, a Turquia também vai ter certamente uma palavra a dizer, porque nunca aceitará a criação de um Curdistão independente. E também é natural que a Síria queira proteger os sunitas que estão na zona intermédia.

A situação é muito grave, e poderá originar em toda a região do Golfo um conflito regional intensíssimo que criará problemas enormes reforçando as hipóteses do terrorismo transnacional, que tem vindo a ser reforçado pelos sucessivos erros cometidos no teatro de operações do Iraque e primariamente pelo facto de se ter aberto estas operações, isto é, de se ter realizado a campanha. Além disso pode originar um choque petrolífero tal que provoque enormes problemas económicos em todo o mundo.

Tendo em conta os vários conflitos internos, qual será a estratégia a seguir na definição desse governo?

É um Governo basicamente de personalidades que terão de representar, não directamente mas indirectamente os vários grupos políticos e sociais e as várias tendências existentes no Iraque, onde as tendências de natureza religiosa são predominantes.

É preciso ver qual é a reacção dos vários grupos. Se houver reacções muito negativas isso pode inviabilizar a própria capacidade governativa desse governo.

É um ponto fulcral a forma como vai ser constituído o novo governo iraquiano. Se de facto o governo para quem for transferido o poder não for um governo que os iraquianos considerem legítimo, e que considerem como até agora têm considerado esta autoridade provisória uma marioneta dos americanos, não interessa nada o que diz a resolução porque deixa de ter importância, na medida em que sendo o governo uma marioneta dos Estados Unidos o governo iraquiano faz aquilo que os Estados Unidos mandarem.

Depois das eleições é seguro uma retirada total das tropas que estão no terreno?

Se de facto chegar a haver eleições, e isso implica que haja uma certa segurança, eu acho que depois das eleições poderá haver condições, não digo para retirar as forças todas, mas pelo menos condições para que seja um governo legítimo, nessa altura eleito, a dizer quais são as forças que interessam ou não. É evidente que se não lhe interessarem forças e se se chegar à conclusão de que as forças devem sair é porque ele próprio tem garantias, ou julga ter garantias, de manter a estabilidade no Iraque ou recorrer a outras forças, a outros apoios estrangeiros que não estes, para o auxiliarem nessa estabilidade.

Mas George W. Bush disse que vai manter as tropas durante o tempo que for necessário…

Isso é o que ele diz. O discurso de George Bush foi um discurso basicamente voltado ou muito voltado para o interior dos Estados Unidos porque neste momento ele está a ter sondagens e inquéritos de opinião que começam a ser muito desfavoráveis e ele pretende reverter a posição. Porque no meio disto tudo, e para criar ainda mais confusão, os Estados Unidos vivem uma campanha para as presidenciais e por conseguinte este facto pode fazer com que a administração americana tome decisões com a finalidade de tirar daí dividendos eleitorais que podem prejudicar, no concreto, a situação no terreno.

George Bush disse isso porque está muito amarrado ao seu discurso anterior, em que dizia que as tropas se manteriam no Iraque até que todo o Médio Oriente fique democrático. Portanto, neste momento Bush não pode dizer publicamente que está disposto a retirar as forças. Mas ele também vai dizendo que, de acordo com a proposta de resolução apresentada às Nações Unidas, o que fica estabelecido é que a força internacional ficará por um ano.

Como avalia o papel da GNR no Iraque?

Neste momento a situação no Iraque está muito degradada e não há espaço para que a GNR possa actuar em função das suas características próprias e em função daquilo para que foi enviada para o Iraque. Por conseguinte, Portugal deve estar atento à forma como a situação evolui no terreno e à retirada de espaço a este tipo de forças policiais e, em função de todos estes elementos, no dia 30 decidir se a GNR fica ou não, ou ainda se o governo manda para lá uma força do exército e não da GNR. Pode até lá a situação melhorar. Julgo que neste momento, devem estar em aberto todos os cenários, tudo depende do desenrolar dos acontecimentos, da resolução e daquilo que entender o novo governo. Actualmente a GNR não tem as melhores condições para estar no território.

Ana Correia Costa

Andreia Abreu

Foto: Expresso