Os automobilistas do Porto já se habituaram à presença dos arrumadores na cidade. O JPN foi para as ruas à procura de estórias de uma das “profissões” mais polémicas.

Nuno, vive sozinho desde os 13 anos. Tem actualmente 34 e é pai de uma menina com oito meses. Em declarações ao JPN, este jovem, arrumador há cerca de meio ano, falou-nos da sua vida em Portugal e da sua estadia em Espanha, onde esteve durante 10 anos.

Apesar de não ter um local certo, foi junto à Praça da República que o encontramos. Sempre inquieto e com o olhar distante, contou como tudo começou: “assaltei uma ourivesaria em Portugal, que correu mal, por isso, fugi para Espanha, em 1989. Estive lá 10 anos à espera que o processo prescrevesse. Enquanto lá estive, trabalhava como carpinteiro e traficava droga. Fazia parte de uma rede organizada e andava de porta em porta a entregar as encomendas”.

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Só quando teve a certeza que o processo já estava prescrito é que regressou ao seu país de origem. Já em Portugal, a vida não foi fácil: “não tinha fontes de rendimento, continuava fora da família, (…) foi uma fase de delinquência, roubava, assaltava, (…) até que comecei a arrumar carros, porque achei que era tempo de mudar e de, ao mesmo tempo, não andar a roubar nem a assaltar. Achei que arrumar carros era muito menos grave que roubar”.

Nuno veio para Portugal à procura de uma vida melhor, mas as coisas não correram como esperava: “vim embora a pensar que o meu país me ia dar uma vida melhor, mas estou farto de Portugal”. Sente orgulho de ser português, mas critica as leis portuguesas: “o nosso país só tem panorama”

“A minha companheira assaltava comigo”

Em Portugal desde 1999, esteve durante cinco anos desempregado porque não encontrou um trabalho remunerado que desse, segundo ele, para se sustentar. Uns anos depois viveu com uma mulher e juntos tiveram uma filha, há oito meses. Com o nascimento da filha, veio também a separação:” deixei de viver com a minha mulher há seis meses, altura em que decidi começar a arrumar carros”.

Com a mãe da sua filha, até ao momento da separação, partilhava tudo: “a nossa relação foi sempre muito boa. A minha companheira assaltava comigo. Éramos um duo para tudo. Vivíamos 24 horas juntos”.

“Ainda não me conseguiram apanhar”

Questionado sobre o projecto «Porto Feliz», da autarquia portuense, Nuno garantiu que ainda não foi abordado pelos técnicos do programa. Além disso, adianta que, se tal acontecesse, reagiria “normalmente”. No entanto, só aceitaria integrar o projecto sob uma condição: “ouvia o que eles me diziam e se me interessasse tudo bem, senão até logo”.

Apesar de ainda não ter sido abordado pela equipa da Câmara, baseia-se na experiência de colegas para garantir que o «Porto Feliz» é um fracasso: “colegas meus desistiram do processo e voltaram a arrumar carros”. Por isso, Nuno não está disposto a integrar o projecto porque diz que as pessoas que prestam apoio a toxicodependentes não são “correctos nem profissionais”. Para este consumidor de drogas, o programa da autarquia é, apenas, “mais uma causa para desviar dinheiro.”

A Câmara Municipal do Porto considera que ser arrumador é uma actividade ilegal. Para o Nuno isso não é, no entanto, motivo de preocupação: “Não tenho medo nenhum dos polícias, simplesmente corro-os daqui, se puder”. Já teve problemas com a Polícia, mas não teme as consequências: “ainda não me conseguiram apanhar. Que disparem, mas que disparem logo para a cabeça, depois que não venham dizer que dispararam para as pernas e que fez ricochete”.

Centros de apoio a toxicodependentes são “a pior máfia que existe”

Quando esteve em Espanha, como era traficante de drogas “pesadas”, devido às grandes quantidades com que lidava diariamente, sentia-se mais tentado a consumir, o que lhe valeu três princípios de overdose. Actualmente, consome droga “só de vez em quando”, sobretudo haxixe. Nuno confessa que já procurou os centros de apoio a toxicodependentes, mas sem sucesso: “são tratamentos que revoltam porque muita gente ainda acredita que essas associações ajudam muitos toxicodependentes, mas a verdade é que são a pior máfia que existe”.

Tanta revolta prende-se com o facto de, como revelou o Nuno, nessas instituições ser proibido fumar, beber e também com o facto de não darem dinheiro aos que estão a ser tratados: “mandam as pessoas trabalhar para fábricas e não lhes dão nem um tostão ao fim do mês, nem quando saem de lá. Saem com o mesmo que entraram”.

«Porto Feliz» é uma “palhaçada”

O que faz com o dinheiro que ganha a arrumar carros? “O que ganho é para a minha sobrevivência, para consumo de drogas e para a minha comodidade”, responde. Diariamente, ganha entre 15 a 20 euros: ”antigamente, sacava-se mais dinheiro porque não havia esta história do Rui Rio que me parece uma palhaçada porque eles são os maiores corruptos”.
Nunca ameaçou ninguém nem sequer teve intenções em fazê-lo: “os meus clientes dão-se muito bem comigo. As pessoas dão-me dinheiro porque querem e não porque sentem medo de mim”.

Tem vergonha da denominação “arrumador” mas, ao mesmo tempo, não está preocupado com a sociedade que, na opinião deste jovem, nunca o ajudou “em nada”.

Se pudesse falar com o presidente da Câmara do Porto ou até com o primeiro-ministro só tinha um pedido a fazer: “que deixem os arrumadores em paz. Não persigam os pobres”.

Andreia Abreu (Texto e Foto)