Em termos de investigação científica quais as vantagens do fenómeno que ocorreu hoje? Ou trata-se apenas de uma acontecimento curioso?

Há mais de cem anos atrás, em 1882, quando aconteceu o mesmo fenómeno foi bastante importante, porque foi uma das formas de determinar a unidade astronómica, ou seja, a distância entre a Terra e o sol. Acontece que actualmente já conhecemos essa distância com grande precisão, através de outros meios, logo deixou de ser importante. Assim, neste momento, este acontecimento foi mais uma curiosidade importante para que o público perceba que se podem utilizar estes fenómenos para medir o Universo.

Deste acontecimento específico que aconteceu hoje, dia 8 de Junho, retiraram-se dados importantes em termos de novas decobertas para a astrofísica?

Não, nem se estava à espera que isso acontecesse. O que se passou foi que a Europa se organizou e com amadores e o público em geral se fizeram medições apoiadas nos instrumentos actuais que permitem determinar com grande precisão o valor da unidade astronómica, com menos de uma parte em mil de erro. O que é novo é o facto de ninguém “vivo” ter assistido a este fenómeno.

Qual a probabilidade de outro fenómeno deste género vir a acontecer antes de 2117?

Um fenómeno de trânsito planetário sobre o sol, só pode ser visível ou com Vénus ou com Mercúrio porque são os planetas que estão mais perto do sol do que nós. Ora, o tempo que leva para estes fenómenos acontecerem é conhecido. Vénus vai voltar a passar em frente ao sol daqui a oito anos mas não se vai poder ver em Portugal porque será de noite. Mercúrio passa em frente ao sol de sete em sete anos. Tudo isto é calculável, logo se nos restringirmos a planetas a passar pelo sol não haverá mais nada a registar.
No entanto, no próximo ano o que vai acontecer é um eclipse do sol que vai ser visível de Portugal Continental. Vai ser parcial na maior parte do país mas no Norte, nas regiões do Minho e Trás-os-Montes, vai ser quase completo uma vez que só vai sobrar um pequeno anel de luz à volta da lua. Isto vai ser interessante porque muita gente vai estar interessada em observá-lo.

A passagem de Mercúrio não suscita tanta curiosidade. É por ser menos rara?

Sim, em primeiro lugar é por essa razão, uma vez que passa todos os sete anos não suscita tanto interesse. Depois, há ainda outra razão: é que esse fenómeno não permite calcular com a mesma precisão a distância da Terra ao sol. Além disso, a passagem de Mercúrio em frente ao sol é muito mais difícil de observar.

Estudar as estrelas “é como dar um passeio pela floresta”

O tempo em astronomia é algo muito diferente. O que é muito tempo? O que é pouco tempo?

Em astronomia há fenómenos que são muito lentos e há outros que são muito rápidos. A maior parte dos fenómenos astronómicos são muito lentos à escala humana. As estrelas vivem milhares de milhões de anos e, portanto, a essa escala, um milhão de anos é muito pouco. No entanto, há fenómenos, por exemplo as órbitas dos planetas à volta do sol, que se medem em meses ou em anos. Tudo depende do fenómeno em causa. Um astrónomo lida simultaneamente com coisas que levam segundos a acontecer, por exemplo a explosão de uma supernova, e com coisas que são muito lentas, como a vida das estrelas que dura milhares de milhões de anos.

Nessas situações os astrónomos não ficam com a sensação de trabalho inacabado?

Eu considero que não. Vejamos o exemplo das estrelas, nunca ninguém esteve vivo milhares de milhões de anos para saber que elas duram esse tempo, mas o que se faz é como um passeio na floresta. Durante um passeio de uma hora pela floresta conseguimos ficar com uma ideia do estádio de vida de uma árvore com centenas de anos. Nesse passeio vemos arbustos pequeninos, árvores frondosas e adultas e ainda árvores mais velhas quase a morrer. Da mesma forma, nós em pouco tempo conseguimos estudar uma amostra de estrelas que cubra todos os estádios da sua vida.

No seu dia a dia há a mesma preocupação com os minutos, como é que encara o tempo?

Na sua vida normal, os astrónomos funcionam como qualquer pessoa, mas é quando estão a fazer o seu trabalho que encaram o tempo de outra forma. Se estivermos a trabalhar com um fenómeno de milhares de milhões de anos, um milhão não é nada.

Ana Sereno