O Conselho Europeu vai decidir a 17 de Dezembro se terão ou não início as negociações com a Turquia com vista à sua adesão à União Europeia. Ancara está confiante de que será desta que a “Sublime Porta” será aceite na grande família europeia – apesar do movimento turco-céptico – e apresenta por isso uma série de condições que favoreceriam a Europa com esta adesão. Argumentos esses que estão na base do discurso daqueles que irão votar a favor do início das negociações com a Turquia e que por isso vale a pena conhecer.

Uma plataforma geopolitica

Com a entrada da Turquia na UE, torna-se claro que as fronteiras da Europa se estenderão a zonas até hoje tidas como demasiado distantes. Zonas essas que são vitais no mapa geopolítico actual. E não é só a grande proximidade com o Médio Oriente, o principal palco geopolítico deste início do século, que fortalecerá uma posição da Europa no panorama internacional. O acesso ao Cáucaso e aos seus diversos recursos naturais pode ser visto por muitos como um instrumento extremamente importante para que a Europa consiga desenvolver o seu potencial económico e estratégico. Com a Turquia na União Europeia a questão do médio Oriente deixa de ser um tema que Bruxelas pode entregar de mão beijada a Washington. Com as suas fronteiras tão perto do palco principal, é natural que a Europa comece a ganhar consciência de que é chegada a hora de entrar no espectáculo.

O nascimento de uma politica de defesa

Até hoje muitos continuam a ver a UE apenas como uma união económica e social. Falta-lhe, dirão, sentido estratégico. E isso tudo porque a verdade é que o sistema de defesa da União Europeia é praticamente inexistente. Não existe um exército europeu nem uma politica internacional delineada para servir os interesses da Europa. Em alturas de conflito Bruxelas escuda-se na NATO, na ONU e principalmente nos Estados Unidos.
A entrada da Turquia poderia ajudar a alterar este cenário. Os turcos têm o segundo maior exército da NATO, logo a seguir aos norte-americanos, e poderiam dar o mote para a constituição de um exército europeu capaz de dizer presente nas alturas de maior necessidade. Além do mais a proximidade geoestrategica da Turquia em relação ao Médio Oriente é já em si uma forte razão para a criação de uma entidade de defesa e para a redefinição de uma politica defensiva no plano europeu.

O árbitro da questão do Médio Oriente

A opinião pública queixa-se de que a Europa deu carta branca aos Estados Unidos para fazerem o que se lhes aprouvesse no Médio Oriente. A verdade é que isso não só se deve à falta de uma política de defesa estruturada por parte de Bruxelas mas também pela dificuldade da União se apresentar como um árbitro naquela zona do mundo. Já a Turquia, apesar de ser um estado islâmico, tem óptimas relações tanto com o mundo árabe como com Israel e pode servir como intermediário das políticas europeias para gerir os confrontos do Médio Oriente. Muitos pensam que um forte impacto criado pela Europa na zona pode redefinir as regras do jogo e abrir o caminho para uma solução pacífica do conflito Israelo-Palestiniano, considerado como a “mãe” de todos os conflitos na zona. E com a Turquia no jogo as cartas estariam do lado de Bruxelas.

Uma alternativa cultural para a Europa de hoje

Se muitos colocam reservas à entrada da Turquia na União Europeia é porque ainda vêm o continente europeu como um “Clube Cristão” cuja a sua estrutura está fundada nos valores judaico-cristãos. Ora um país membro com 70 milhões de muçulmanos cortaria imediatamente com essa tradição.
Mas a questão pode ser vista pelo outro lado também. A Turquia é um estado islâmico, disso não há dúvida, mas um estado laico, onde a separação Estado-Igreja está definida à mais de oitenta anos. E apesar de ser um país muçulmano, é historicamente um pais moderado na sua abordagem ao Islão, e mais ainda, um país tolerante. Basta ver que os cristãos expulsos da Península Ibérica no Século XV rumaram para Amesterdão e Constantinopla. Assim a Turquia poderia trazer para a Europa toda uma nova identidade religiosa e cultural que só enriqueceria o património europeu. E como dentro das fronteiras da EU já vivem 20 milhões de muçulmanos, a entrada de um pais de maioria muçulmana poderia ser uma hipótese de Bruxelas dar o exemplo de tolerância para todos os seus cidadãos, mesmo os representantes de minorias.

Um maior dinamismo socio-económico

Aqueles que defendem o veto da entrada turca na UE apresentam a Turquia como um país demasiado pobre e atrasado para ser membro da União. Se esse critério fosse aplicado no passado países como a Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal dificilmente conseguiriam tornar-se membros. Mas a verdade é que a adesão turca à União Europeia pode estimular e reforçar a vontade de Ancara em liderar um processo de recuperação económica. Além do mais a Europa ficaria a ganhar um novo e dinâmico mercado de trabalho. Com mais de 50 milhões de turcos como mão-de-obra capaz e uma zona situada estrategicamente perto do mar (Mediterrâneo, Negro) mas também dos centros de maiores reservas de minérios do continente (Cáucaso) a Turquia tinha tudo para ser um pólo de desenvolvimento económico a ser aproveitado. Se a tendência é das grandes corporações se dirigirem para o Sudeste Asiático onde a mão-de-obra é muita e barata, então ter a Turquia dentro das fronteiras europeias garantia um dinamismo demográfico (os turcos passarão de 70 para 90 milhões de habitantes nos próximos quinze anos) em que valerá a pena investir.

Expansão de ideais democráticos da união

Com o último alargamento a leste a Europa deu uma lição de democracia ao acolher oito países que há quinze anos atrás pertenciam ao bloco soviético. E se a promessa de adesão à UE precipitou um conjunto de reformas que reforçaram o sistema e os valores democráticos nesses países, a verdade é que o mesmo pode acontecer com a Turquia. Todos sabem, e o próprio governo de Ancara admite essas limitações, que a Turquia tem ainda um défice democrático que é preciso superar. Mas se a União estiver disposta a abrir as portas à Turquia, poderá estar a contribuir decisivamente para a instalação definitiva dos ideais de democracia que são o sustentáculo da união dos estados europeus. Mais ainda! Se essa politica encontrasse sucesso na Turquia, poderia eventualmente ser bem sucedida nos países árabes que partilham com a Turquia não só fronteiras como também valores e ideais. E esse seria o maior triunfo da Europa. Fazer pela diplomacia o que outros não conseguem fazer pelas armas.

Miguel Lourenço Pereira