Disse há cerca de um mês, numa conferência na Faculdade de Economia, que temia que houvesse uma redução da qualidade do ensino superior com a aplicação do Processo de Bolonha, tendo em conta que se vai proceder a uma redução do tempo de formação. Ainda mantém essa opinião?

Mantenho. Se as pessoas não entenderem este Processo de Bolonha e o que o que dele decorre: uma autêntica mudança do paradigma do ensino e da aprendizagem no ensino superior. Tem que haver um melhor aproveitamento do tempo, o que vai exigir mais de todos, tanto da parte dos estudantes como dos professores. É preciso que as pessoas se consciencializem disso. Se cumprirmos bem o programa que está estabelecido, se o ano escolar, correspondente aos 60 créditos ECTS, for bem aproveitado, aí pode não haver redução da qualidade do ensino. Mas se não houver esse cuidado, e se alguns tipos de aprendizagem forem encarados da mesma maneira, aí podemos ter alguns problemas.

Para si, qual seria a duração ideal dos dois novos graus do ensino superior?

Para mim, são mais importantes os conteúdos e os objectivos dos cursos, que muitas vezes nem são considerados, do que propriamente a duração. A questão da duração, de alguma maneira, é um pouco secundária, mas acaba por ter alguma importância no meio de tudo isto. Eu costumo dizer, muitas vezes, que um ciclo de aprendizagem de um ano só parece-me curto, a não ser que seja sequencial. Se for feito separadamente de ciclos anteriores, parece-me pouco. Também tenho dito várias vezes que é preciso que as pessoas conheçam, por um lado, as características próprias da área que estão a estudar, que tenham uma certa cultura da instituição. E isso leva a que o segundo ciclo seja de dois anos. O primeiro, em princípio deveria ser de três.
Em termos de universidade, seria mais fácil uma gestão de cursos em que os primeiros ciclos tivessem todos uma duração idêntica. Admito que os três anos pudessem ser a duração mais adequada.

Há também o receio de que os actuais graus de mestrado e mesmo as licenciaturas fiquem desvalorizados. Acha que isso vai acontecer ou, pelo contrário, vão ficar fortalecidos?

Eu entendo que o grau que deve desaparecer é a licenciatura. Com todas as consequências que isso tenha. Por exemplo: o primeiro grau, correspondente ao primeiro ciclo, para mim, deverá ser o bacharelato. O segundo tem que se chamar mestrado, parece que não há volta a dar. Portanto, aí é inevitável que os actuais mestrados fiquem desvalorizados, porque estes novos segundos ciclos, muitos deles nem sequer terão tese, pelo que não terão a mesma profundidade que tem a tese actual. Portanto, efectivamente vai haver uma desvalorização de um ou outro grau. Se as coisas correrem como se tem pensado, o grau de mestrado corresponderá à actual licenciatura. Mas também, relativamente à nossa sociedade, fica a esperança de que, mais tarde, sejamos reconhecidos pelos nomes e não pelos graus, como actualmente acontece entre nós. E era bom que isso desaparecesse.

Tem-se falado muito na questão do financiamento do segundo ciclo, até porque correu o boato de que o Governo do Partido Socialista não iria financiar este grau de formação. Acha que o Estado deve financiar o segundo ciclo?

No que respeita ao segundo ciclo, até hoje o mestrado foi sempre financiado. Não da mesma maneira que as licenciaturas, mas os mestrados foram sempre financiados. Eu muitas vezes defendi que essa era uma falsa questão, que ninguém iria pôr em causa o financiamento do segundo ciclo. Nós não podemos esquecer os custos [elevados] do ensino superior, e em particular do segundo e terceiro ciclos, em que a investigação é mais exigente e acompanha mais o ensino e a aprendizagem. Aí procurar financiar unicamente a partir das contribuições dos alunos parece-me um perfeito exagero.

E uma das questões que tem causado preocupação no seio dos estudantes é o facto de algumas ordens profissionais terem afirmado que só aceitariam estudantes com o segundo ciclo completo. Se não houver financiamento por parte do Estado, muitos estudantes poderiam não ter acesso a esse grau de formação…

Exactamente. Há formações profissionalizantes, com carácter vocacional, em que efectivamente se exige o segundo ciclo. São exigidos pelo menos cinco anos. Pode haver uma desigualdade muito grande, porque imaginemos que há uma determinada área de formação considerada de carácter especial, em que nem há divisão entre primeiro e segundo ciclo. Estou a pensar, por exemplo, na Medicina ou na Arquitectura, em que comparadas com outras formações como Engenharia, as pessoas ficam numa situação muito desigual.

Anabela Couto
Miguel Conde Coutinho