Três projectos, três ideias para ler Manuel Alegre online. A interactividade é o ponto comum entre as três propostas.

Ana Marques, Francisca Paupério e Sónia Vieira da Costa aceitaram o desafio: propôr uma leitura interactiva de “Cão como nós” para ser colocada online. A experiência é nova, e as três propostas vão ser apresentadas hoje às 18h30. As três alunas do curso de Jornalismo e Ciências de Comunicação da Universidade do Porto conversaram com o JPN sobre as suas interpretações do livro de Manuel Alegre. São três abordagens muito diferentes entre si, mas todas visualmente fortes e interactivas.

Nós e vós

“A minha proposta é a construção de uma memória colectiva baseada no livro. É o esforço da memória a recuperar o tempo que já passou”, explica Ana Marques, que baseou o seu projecto “no funcionamento do cérebro, nas transmissão de pensamento, nas sinapses, na forma como a nossa cabeça retém as memórias”. A ideia é “estabelecer uma relação entre o nós e as outras pessoas”, através da armazenagem de ideias que vão sendo enviadas para sítio onde o livro está alojado.

É possivel enviar textos, fotografias, sons e videos com a interpretação do leitor sobre “Cão como nós”, ao mesmo tempo que se podem ler excertos do livro que Ana Marques considerou “mais importantes, e que correspondem à [sua] interpretação do livro”. “O leitor envia a sua memória, mas fica sem saber quando é que a pode voltar a ver”, diz. A aleatoriedade é total e é o sistema que escolhe quando é que o leitor poderá voltar a contactar com essa memória. Assim, cria-se uma comunidade online onde os diversos leitores podem ver as memórias uns dos outros, gerando uma leitura paralela ao próprio livro.

Somos um só

A proposta de Francisca Paupério é baseada na “complementariedade”. “A vida e a morte, e outras dualidades do quotidiano, complementam-se num poema final”. A aluna do curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação propõe uma desconstrução do livro, numa abordagem muito pessoal. “Interessou-me mais desenvolver um conceito visual, um mecanismo novo de leitura de ‘Cão como nós’”, explica. Talvez por isso mesmo, Francisca Paupério duvida um pouco da possibilidade de este projecto ser comercializável. “É provável que consiga viver de forma isolada, mas é uma abordagem muito pessoal ao livro. Depende da concordância do autor [Manuel Alegre]”. É uma visão conceptual, onde o leitor vai seguindo excertos escolhidos pela autora, de onde se vão destacando palavras que culminam na construção do poema final.

“Postscriptum”

“O objectivo é simular uma troca de correspondência entre os leitores e o Manuel Alegre”, explica Sónia Vieira da Costa, que resume assim a sua ideia para uma leitura online de “Cães como nós”. Quem se inscreve no sítio irá receber um postal com o primeiro capítulo do livro. O leitor pode responder a esse postal, escrevendo o que quiser, de modo a ir criando a sua própria história, diferente do livro de Manuel Alegre. “Todos os leitores poderão ler as histórias dos outros e assim consegue-se criar uma rede online a partir do livro, uma espécie de fórum”, afirma Sónia da Costa. Se o leitor responder ao postal, irá receber outro com a continuação de “Cão como nós”. “A resposta não terá data certa. Quero que seja mesmo como se fosse uma troca de correspondência antiga, para criar aquela ansiedade, aquele sentimento de antecipação de quem quer receber uma resposta, mas que nunca sabe quando é que ela vai chegar”.

Esta proposta é talvez a que tem mais possibilidades de ser vendida. A aluna diz “que não há nenhuma interpretação pessoal, não há nenhum conceito abstracto”. “O meu projecto baseia-se na interactividade entre o livro e o leitor, ao mesmo tempo que cria online a possibilidade de cada um dos leitores ler e criar as suas próprias histórias”, explica.

Miguel Conde Coutinho