Segundo os relatórios anuais da Procuradoria Geral da Republica (PGR) de 1996 até 2003, cerca de 9000 crianças não têm legalmente pai.

Embora a legislação portuguesa garanta a todos o direito à identidade paterna, na prática um quarto das averiguações oficiosas não têm resultados positivos. Se por um lado, este número inclui casos em que a mãe não indica o nome do possível pai, por outro, inclui também casos em que o Ministério Público (MP) não considera plausível a indicação do pretenso pai dada pela mãe.

No entanto, há casos em que a mulher apresenta o nome do pai, mas, durante o processo de averiguações, não se dá continuidade às diligências. São os processos inviáveis, que aumentam o número das crianças que, perante a lei, não têm um pai.

Fases do processo de averiguação de paternidade

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Guilherme Oliveira, explicou ao JPN como se processa a acção de averiguação de paternidade. A averiguação oficiosa desencadeia-se quando uma mulher não casada vai registar uma criança sem o pai. O processo é de imediato remetido pelo conservador para o MP, que acciona as diligências necessárias para o reconhecimento do pai. A mãe é chamada e inquirida quanto ao possível pai. Se a mãe não indicar o nome do pai, o processo é considerado inviável e junta-se à lista dos pais incógnitos. “Quando a mãe refere o nome do ‘suspeito’, o MP propõe a perfilhação para reconhecer ou não a paternidade”, explica. Se o pai tiver dúvidas e não reconhecer a criança “desencadeia-se uma série de averiguações por parte do MP até que estejam reunidas todas as provas que indiciem a paternidade. Se o MP estiver convicto que o nome apontado é possivelmente o pai, então é desencadeada uma acção judicial, que acabará com uma sentença”.

Durante a investigação do MP, a mãe é inquirida e pode trazer todas as provas que considerem importantes para a confirmação. Cartas, fotografias, testemunhas, são inúmeras as provas documentais e testemunhais que podem ser apresentadas. O objectivo é convencer o juíz que a mulher só teve relações sexuais com um homem, embora o facto de a mulher ter relações com outros homens, não inviabilize a paternidade do homem apontado pela mulher que deu à luz.

Pelo meio do caminho ficam aqueles casos cujo pai não é apontado. “Aí o Ministério Público não pode fazer nada”, garante o professor, acrescentando que “sempre que se tem um nome, ou vários, são sempre feitas as averiguações, nomeadamente as provas científicas”. O problema é “quando os supostos pais faltam aos testes para não serem acusados”. Segundo o professor, “há quem defenda que o pai deveria ser obrigado a ir, embora em Portugal isso não aconteça”. O facto do suposto pai “fugir”, pode no entanto ser “motivo para a acusação, já que indicia que há algo a esconder”.

Guilherme Oliveira acredita, no entanto, que a solução em casos de não-consensualidade extrema, poderá ser o ónus da prova, ou seja, “o pai é que tem de provar que não é pai, em vez de alguém tentar provar que ele o é”. Uma questão que é, contudo, bastante polémica, não reunindo consenso.

Análises científicas são peremptórias

Se não surgir consenso, a prova de DNA é o teste peremptório. Segundo o especialista em genética forense do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) António Amorim, este teste “pode ser pedido em qualquer altura do processo de averiguações, tanto pela mãe, como pelo pretenso pai, ou até pelo MP”.

Em declarações ao JPN, o especialista afirma que o teste de DNA nunca é custeado pela mãe, mas pode vir a ser pago pelo pai, se a paternidade for confirmada”. Um facto que pode estar na origem no decréscimo de investigações oficiosas, ja que o “custo de um teste de paternidade pode ultrapassar os 1.500 euros”.

De facto, os dados dos relatórios da PGR, revelam que o número de averiguações oficiosas de paternidade teve um decréscimo acentuado. Assim, desde 2000 até 2003, o número de processos desceram cerca de 40%, ou seja, os 8.263 casos em 2000 deram lugar a 5.154 casos em 2003. Os números revelam assim uma maior disponibilidade por partes dos pais em assumir a paternidade, evitando assim os custos inerentes a todos o processo. António Amorim sublinha que “os custos do processo judicial no seu todo poderão ascender em larga medida o valor do teste de DNA”. No entanto, não só os custos estarão na base desta baixa, mas também o decréscimo acentuado da taxa de natalidade em Portugal.

Todavia, o número correspondente à paternidade incógnita continua bastante elevado. Algumas vezes por responsabilidade da mãe, muitas vezes pela fuga à responsabilidade do pai, a verdade é que todos os anos mais de 500 crianças não têm legalmente um pai.

Agostinha Garcês de Almeida