“Os jornalistas trabalham na linha da frente da história, tentando destrinchar o emaranhado dos acontecimentos, dando-lhes forma e conferindo sentido à nossa vida, ao narrá-los. Os seus instrumentos são as palavras e as imagens, o seu credo, a livre expressão, e as suas palavras reforçam a capacidade de agir de todos nós, tanto dos indivíduos como da sociedade”. Foi com estas palavras que o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, introduziu a sua mensagem dedicada aos jornalistas, neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

No comunicado, Kofi Annan saudou “a coragem e dedicação dos jornalistas que enfrentam riscos e a barbárie pura e simples para exercer o seu direito de procurar e dizer a verdade”. E não terão sido poucos: durante o ano de 2004 foram mortos 53 jornalistas e 107 foram presos enquanto exerciam o seu trabalho. Os números são os mais elevados desde 1995, e justificam-se principalmente com a Guerra no Iraque, país considerado como “o mais perigoso para os jornalistas”, seguido pelas Filipinas. Os dados foram hoje apresentados pela Associação Internacional Repórteres sem Fronteiras, no âmbito da 15ª Jornada Internacional da Liberdade de Imprensa.

Já neste ano de 2005, foram mortos 22 jornalistas, dezanove dos quais continuam a ser dados como desaparecidos (receando-se que tenham sido mortos), enquanto 124 se encontram detidos.

Que conclusão retirar destes números? “Continua a ser perigoso ser os olhos e os ouvidos da Humanidade onde quer que haja conflitos ou guerras, mas não só”, afirma ao JPN o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia. O jornalista do Jornal de Notícias refere “situações em que jornalistas são perseguidos por pessoas e por organizações que são objecto das suas investigações”.

As novas formas de censura

Em relação à situação portuguesa actual, no que se refere à liberdade de imprensa, Alfredo Mais aponta “vários condicionalismos”. Um deles está relacionado com “a precariedade que ainda persiste em algumas redacções e que reveste duas formas: uma tem a ver com a natureza do vínculo contratual em situações de trabalho, a recibo verde ou com contrato a termo. A outra está relacionada com a questão dos salários, uma vez que há componentes dos salários que não são declaradas e as empresas, muitas vezes, avogam o seu direito de as retirar”. Situações que configuram para o presidente do sindicato, “formas de condicionamento económico ou mesmo de censura económica”.

Neste Dia Mundial da Liberdade da Imprensa, Alfredo Maia mostra também a sua preocupação com a “crescente concentração de meios de comunicação social”, em que “um pequeno clube de grandes grupos está a formar um cartel de mão-de-obra, condicionando a sua própria liberdade”. O sindicalista contesta “a mercantilização da informação, muitas vezes exposta às estratégias do marketing e da publicidade”, passando a ser “tratada como mero negócio e não como uma contribuição para a formação cívica e cultural dos cidadãos. E isso também condiciona muito, senão a liberdade, pelo menos a autonomia editorial dos jornalistas”, afirma.

Alfredo Maia considera que “os jornalistas ao longo dos anos têm sabido demonstrar uma enorme capacidade de resistir”. Para o futuro, só espera que, “sendo eles depositários de um mandato de confiança do público”, sejam capazes de “o respeitar e fazer valer”. Porque “a liberdade dos jornalistas não é um privilégio para seu uso próprio. Corresponde antes ao exercício de um dever para com os cidadãos. Porque sem jornalistas livres não há imprensa livre, e sem imprensa livre não há democracia”.

Uma ideia que vai de encontro ao apelo com que Kofi Annan termina o seu comunicado: “A liberdade de imprensa continuará a ter um papel decisivo no que se refere a alargar a liberdade de todos. Neste Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, reafirmemos o nosso compromisso em relação a este direito essencial bem como o nosso empenho em tentar concretizá-lo colectivamente”.

Anabela Couto