Quatro figuras humanas, pouco mais do que sombras sentadas em bancos altos, de papel na mão, no grande auditório do Teatro do Campo Alegre. Um banco vazio. Um homem de costas para o público e uma mulher, sentada do outro lado de uma mesa, completamente nua. Assim se inicia o espectáculo, num silêncio arrepiante. Ninguém se atreve a falar quando a mulher se levanta e inicia uma dança na continuação do silêncio, percorrendo o espaço com o seu corpo desprotegido, selvagem e grave. A mulher é Éléonore Didier, autora e intérprete de uma coreografia inspirada em “Morreste-me”. No fim da sua actuação, some-se por entre os degraus da bancada, perante o olhar perturbado do público, após uma soberba demonstração da beleza do corpo humano em movimento.

A leitura de “Morreste-me” é feita por Inês Lua, Naná Menezes, Sandra Salomé e o homem que no início se sentava de costas para o público, o actor Pedro Lamares. Entretanto, Lamares senta-se no banco que estava vazio, ao lado de um José Luís Peixoto que permanece em silêncio, sentindo as suas palavras com nove anos, publicadas há cinco, em edição de autor. O público comove-se. As palavras do poeta destinadas ao pai, morto, entram nos ouvidos e ficam. Por trás dos intérpretes, numa tela gigante, imagens de Maria Bleck Soares ilustram o texto.

No fim da leitura, José Luís Peixoto fala do que mudou em cinco anos. Agora também é pai. “Falamos da morte para percebermos que estamos vivos”, conta o poeta ao público. No final, em declarações ao JPN, Peixoto explica melhor o que se alterou nos últimos cinco anos: “mudou a minha maneira de ver o mundo, mudou a minha relação com o objecto do livro, aprendi a viver com as cicatrizes”.

O autor de “Uma casa na escuridão” admite que a sinceridade é essencial na escrita. “Quando não há sinceridade, nota-se, mesmo na ficção”, acrescentando que “estamos condenados a ver o mundo na nossa perspectiva”. Para José Luís Peixoto, “é fundamental que se tente dar aos outros algo que seja importante”.

Peça de teatro e novo romance

Neste momento, José Luís Peixoto está a trabalhar numa peça de teatro que será levada à cena pelo grupo belga STAN. A estreia da peça, que será apresentada em francês, para já, deverá ocorrer em Novembro, em Paris, estando prevista a sua representação em Lisboa, também em francês, lá para Junho do próximo ano. Para além disso, o escritor está a preparar um novo romance para sair antes do fim do ano.

Old Jerusalem na segunda parte

oldjerusalem.jpgDepois da poesia, o concerto de Old Jerusalém, ou seja, o “songwriter” Francisco Silva. Acompanhado apenas pela sua guitarra acústica, pede desculpa por ter deixado o saco onde costuma transportar o instrumento pousado no chão. “Está tudo demasiado arrumadinho”, diz. Toca algumas canções do primeiro álbum, “April”, e apresenta as novidades do novo trabalho, “Twice the humbling sun”.

Num estilo extremamente “indie”, quase no fim do concerto, diz que vai tocar “mais uma canção, se calhar duas”. Fica o registo de uma actuação simples, mas interessante e bem-humorada.

Carlos Luís Ramalhão
Foto: Joana Beleza