O Graal é um movimento internacional de mulheres, com uma vertente cristã, que entre outras actividades, coordena o banco de tempo central em Portugal. Promove as agências de tempo pelo país como forma de apoiar a conciliação entre a casa e o trabalho das diferentes famílias. Em entrevista ao JPN, Eliana Madeira, técnica de projectos do Graal, explica como funcionam os bancos do tempo.

Qual é o objectivo do banco do tempo?

O banco do tempo tem vários objectivos. Um é apoiar a conciliação do trabalho com a família ou oferecer serviços que ajudem as pessoas a equilibrarem melhor as esferas da sua vida. Por exemplo, uma pessoa tem que trabalhar mais uma hora ou duas e pede a alguém que lhe vá abrir a porta de casa porque vai lá um electricista.
Há também a intenção de construir uma cultura de solidariedade, na qual as pessoas, que no fundo são vizinhas, se conhecem, são solidárias e constroem relações entre si.
Há um outro objectivo muito importante que é a valorização dos talentos das pessoas, o reconhecimento das suas capacidades.
Por outro lado, o banco de tempo também permite estabelecer pontos entre entidades com naturezas muito diferentes, que se organizam para concretizar essa iniciativa.

Que serviços são mais requisitados e oferecidos num banco de tempo?

Os serviços são muito diferentes e por vezes muito atípicos. Por exemplo, alguém pode oferecer-se para apanhar pinhas, porque gosta de andar nos pinhais. Oferecem-se para dar lições de alguma coisa que saibam fazer, para trabalhos de jardinagem, para serviços de bricolage, para acompanhar crianças ou simplesmente fazer companhia a alguém (um dos serviços mais requisitados). Podem acompanhar alguém ao médico, a uma exposição ou a um concerto, por exemplo.

De que forma é que o Graal, enquanto banco central, apois as diferentes agências de banco do tempo?

Apoia a constituição das agências. Dá formação às pessoas que estão envolvidas no projecto, faz apresentações nas comunidades e produz os materiais de divulgação do banco – toda uma actividade de acompanhamento, de planeamento e avaliação das diferentes agências.
Por outro lado, promove ao longo do ano pelo menos um encontro entre as várias agências para troca de experiências.

Até que ponto o Graal se inspirou no modelo italiano de banco de tempo?

Há uma afinidade muito forte com o banco de tempo em Itália, apesar de as agências lá serem mais autónomas. Estivemos agora num congresso em Turim a apresentar exactamente a experiência portuguesa, porque eles acham curioso como é que se cria uma rede entre as agências. Há uma comunicação forte entre as nossas agências.

E lá essa comunicação não é normal?

Lá não é assim, porque as agências foram nascendo independentes, no fundo são associações de banco do tempo. Também são muitas mais, são mais de trezentas, portanto é mais difícil criar uma rede como a nossa. Contudo, eles no momento estão a tentar criar uma rede assim, até para garantir que as agências não se desvirtuem e que haja uma certa coerência entre elas.

Mas o objectivo final dos bancos do tempo também não é dispensar o próprio banco, criando uma rede social autónoma?

Numa sociedade ideal, em que houvesse de facto solidariedade espontânea entre as pessoas, em que as pessoas se conhecessem bem ou tivessem vidas com poucas dificuldades de conciliação, se calhar o banco de tempo não faria sentido. Mas isso é uma utopia.
Eu acho que o banco de tempo permite caminhar para lá. Se as pessoas se conhecerem bem, podem fazer as trocas de serviços entre si, sem precisarem de contactar a agência. Mas quando passam um cheque de tempo, depois têm que o depositar na agência que centraliza a informação.

O Graal tem vindo a trabalhar em projectos muito diversificados. Há algum denominador comum entre essas iniciativas?

O denominador comum tem a ver com uma ética e uma cultura de cuidado, de
transformação da realidade. Nos últimos tempos temos estado bastante ligadas à área da cooperação e da conciliação do trabalho com a família. Temos o projecto do banco do tempo e outro ligado às novas tecnologias. Estamos também a trabalhar com imigrantes, essencialmente.

Tem havido muitas propostas para a abertura de novas agências?

Temos tido bastantes solicitações. Há um conjunto de agências, umas cinco neste momento, que estão em processo de constituição. Uma delas é no Porto e está ligada à Junta de Freguesia da Foz do Douro.

Quais são os requisitos necessários para se abrir uma agência?

Essencialmente, são necessários recursos humanos com disponibilidade. Depois é preciso que ao nível local se encontre um espaço e que este seja equipado com computadores, linhas telefónicas, material de divulgação…

Quem são as entidades locais parceiras do banco central? Como funcionam?

Há bancos onde trabalham essencialmente voluntários, grupos de certa forma informais que procuraram uma parceria institucional com uma entidade qualquer local para a criação de uma agência. Esta também pode ser formada por várias entidades que depois definem os seus contributos. Outras agências estão ligadas a câmaras municipais, juntas de freguesia, fundações, entre outras entidades. Varia muito.

Milene Marques
Foto: Getty Images