O constitucionalista Jorge Miranda concorda com a criação de uma moldura penal específica para o enriquecimento ilícito, sugerida quinta-feira pelo Presidente da República, num esclarecimento sobre o teor do seu discurso proferido quarta-feira, no âmbito das comemorações do 5 de Outubro.

“Seria conveniente em face da situação que o país conhece e face aos focos de corrupção que se vão manifestando um pouco por toda a parte”, afirmou quinta-feira Jorge Miranda, à saída da cerimónia de atribuição do doutoramente “honoris causa” da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, que também condecorou com a mesma distinção Marcelo Rebelo de Sousa e Mário Júlio de Almeida Costa.

O Presidente da República esclareceu quinta-feira, em nota de imprensa, que a inversão do ónus da prova deveria ser aplicada apenas a “medidas de natureza fiscal e de natureza penal que devem ser introduzidas no combate à corrupção”, para dissipar as dúvidas suscitadas pelo seu discurso de ontem.

Em entrevista à Rádio Renascença, Jorge Sampaio defendeu que a inversão do ónus da prova passe pela criação de “uma nova formulação penal” destinada a sancionar o enriquecimento ilícito, uma figura inexistente no actual ordenamento jurídico.

Jorge Miranda sublinhou que “teria de haver uma definição rigorosa desse ílicito”. O constitucionalista está de acordo com a ideia de Sampaio, “desde que sejam asseguradas garantias de defesa à ‘posteriori'”.

“Alarido” não tem justificação

Já Marcelo Rebelo de Sousa considera que, “aparentemente”, “o alarido que houve não tem justificação”. Para o professor, deu-se “às palavras do presidente um [grande] alcance, como se fosse para todos os crimes económicos e não era essa a ideia do presidente como hoje a Presidência da República veio esclarecer”.

Quanto à criação da figura do enriquecimento ilícito, Marcelo diz que é uma “boa intenção”, que “agora tem que ser vista pelos especialistas”, já que Sampaio “não é especialista na matéria”.

O procurador-geral da República, Souto Moura, também presente na FDUP, afirmou que “qualquer alteração legislativa tem que ter um objectivo claro” que disse não conhecer ainda.

Souto Moura reafirmou que a inversão do ónus da prova aos crimes do Código Penal “está claramente proibida pela constituição”. “Suponho que não passa pela cabeça de ninguém”, acrescentou.

Pedro Rios
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