Escrutínio é considerado uma etapa essencial na estabilização do Iraque. Constituição pode mudar em Dezembro, com a eleição de um novo Governo.

A maioria dos observadores prevê uma larga vitória do “sim” no referendo de ontem, sábado, no Iraque. Apesar disso, as atenções permanecem voltadas para províncias onde existe uma maioria sunita (comunidade iraquiana que até há uns poucos dias apelava ao voto no “não”), como Anbar, Diyala, Nineve e Salahedin.

O ministro dos Negócios Estrangeiros iraquiano afirmou que uma vitória do “não” no referendo trará o “caos total” ao Iraque. O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, referiu-se ao escrutínio como uma “peça chave” no processo de conquista de estabilidade política no Iraque.

Acordo difícil para satisfazer sunitas

Na terça-feira, xiitas, curdos e sunitas chegaram a um acordo relativamente ao projecto da Constituição. O consenso, apenas possível com a introdução de algumas alterações ao texto, foi alcançado após aturadas negociações entre as três forças políticas iraquianas.

Em causa estava o apoio dos árabes sunitas ao projecto da Constituição – esta facção rejeitava o texto por recear que o federalismo (sistema político pelo qual diversos Estados se reúnem numa só nação, conservando cada qual a autonomia para tudo o que não diga respeito a interesses comuns ou a questões internacionais) previsto no texto conduzisse a uma divisão do país. A acontecer, essa divisão deixaria os sunitas circunscritos a um território (regiões do centro do país) parco em petróleo e maioritariamente deserto.

O acordo concretizou-se na introdução de uma alínea que dará a uma comissão parlamentar a possibilidade de alterar toda a Constituição num período de quatro meses depois de terminado o processo de transição com as eleições de Dezembro.

“O comité está habilitado pela Lei Fundamental [Constituição provisória que rege actualmente o país], a redigir o projecto de Constituição e a introduzir modificações”, explicou o presidente do comité de redacção do texto, Houmam Hammoudi.

Sunitas divididos

A adenda foi introduzida com o propósito de favorecer o voto positivo dos sunitas no referendo, e o consenso alcançado levou à alteração de posição de uma parte dos sunitas, principalmente dos elementos ligados ao Partido Islâmico Iraquiano (principal formação sunita do país), que passaram a apelar ao voto no texto que antes rejeitavam.

No entanto, uma facção de sunitas, designadamente o Conselho dos Ulemas (importante associação religiosa sunita), continua a contestar o texto da Constituição por considerar que ela põe em causa a unidade do Iraque.

Constituição pode ser alterada em Dezembro

O escrutínio de ontem é considerado uma etapa essencial no processo político que visa a estabilização e segurança no Iraque. Em 15 de Dezembro, têm lugar as eleições gerais para a designação de um novo Governo, um processo que deverá conduzir à retirada das tropas norte-americanas actualmente estacionadas no país (cerca de 150.000 soldados).

O Parlamento eleito no dia 15 de Dezembro vai poder alterar o texto da Constituição. Caso os árabes sunitas consigam eleger um número suficiente de deputados, têm a possibilidade de satisfazer as suas exigências, nomeadamente no que se refere ao sistema político a adoptar.

Neste momento, a comunidade xiita do Iraque domina cerca de 60% da população e domina o aparelho de Estado. Os seus representantes políticos foram, juntamente com os curdos, os grandes vencedores das eleições gerais do passado mês de Janeiro.

Ana Correia Costa