No dia em que Nice e Cannes decretaram recolher obrigatório para as suas populações, e em que o ministro do Interior francês, Nicholas Sarkozy, afirmou que os estrangeiros condenados por motins deviam ser expulsos do país, o JPN falou com um especialista francês em questões sociais para analisar a situação actual em França.

René Lévy é investigador do Centro de Pesquisas Sociológicas Sobre o Direito e as Instituições Penais (CESDIP) e faz parte do Centro Nacional para Pesquisa Científica (CNRS).

Em entrevista por e-mail, Lévy sustenta que “o fenómeno não é novo”. “O que é novo é a duração e a propagação a um grande número de cidades”, defende, rejeitando as comparações fáceis, feitas por alguns jornais, à Intifada palestiniana. O especialista considera que os governantes “foram incapazes de reverter os processos de exclusão e ‘guetização'”.

Quem são as pessoas que originaram os motins?

A origem destes incidentes remonta à morte de dois adolescentes que – sendo ou acreditando estarem a ser perseguidos por polícias – se refugiaram perto de um transformador eléctrico e foram electrocutados; um terceiro foi gravemente queimado. Como são frequentes estes casos, a novidade destas mortes foi o rumor sobre uma possível implicação da polícia que gerou uma reacção violenta junto dos jovens de certas cidades dos subúrbios (Clichy sous Bois, a norte de Paris), onde a maioria da população pertence a “minorias visíveis”, originárias do Norte ou Oeste de África (mas que estão habitualmente estabelecidas depois de duas gerações em França e geralmente têm nacionalidade francesa). O fenómeno não é novo; o que é novo é a duração e a propagação a um grande número de cidades.

É correcto chamar estes incidentes de a “Intifada francesa”?

Penso que isso surge de uma facilidade jornalística. Vejo, pelo menos, duas diferenças em relação à Intifada. Em primeiro lugar, os jovens revoltados não procuram lutar contra uma ocupação estrangeira. Em segundo lugar, o nível de violência não tem uma medida comum para com o da Intifada palestiniana. Para mais, se podemos considerar que estes actos exprimem um sentimento de revolta dos jovens face à condição que têm ou face a um futuro que temem, eles não estão politizados, não têm projecto nem organização. Os seus actos exprimem uma rejeição da autoridade e o ressentimento face a símbolos do Estado ou das escolas.

Quais são as causas destes motins?

As causas são múltiplas: insucesso escolar, taxa de desemprego muito elevada (50% dos jovens homens adultos pertencentes a estas minorias), uma ausência de perspectivas de futuro que provoca desmoralização e cólera, discriminações frequentes (a nível laboral, de alojamento, etc.). Apesar dos bairros afectados serem alvos de múltiplas intervenções estatais desde há 25 anos, parece que foram incapazes de reverter os processos de exclusão e “guetização”.

O que há a fazer para acalmar os ânimos?

A curto prazo, clarificar as circunstâncias exactas da morte dos dois adolescentes electrocutados e incitar os pais a impedir que os seus filhos lutem contra a polícia. A mais longo prazo, pôr em curso uma verdade polícia de proximidade (política abandonada por Sarkozy em 2002), voltar a dar meios de acção às associações locais (as subvenções foram suprimidas pelo governo actual) que suportam as populações locais, dar uma verdadeira prioridade ao sistema educativo das zonas desfavorecidas. Enfim, lutar energicamente contra o racismo.

Uma resposta policial reforçada é a forma correcta de actuar?

A curto prazo, para pôr fim aos confrontos, pode ser. A longo prazo, uma revisão da política em matéria de polícia é necessária. Mas é preciso que não se resuma ao aumento do número de polícias e que faça uma reflexão sobre a filosofia da sua acção.

Os habitantes das zonas afectadas dizem compreender os jovens revoltados. Como se justifica este sentimento?

Através da sua raiva, os jovens exprimem uma frustração que é normalmente partilhada pela população mais velha, sujeita às mesmas condições de vida difíceis, o que gera uma certa compreensão, mas não necessariamente uma aprovação.

Tiago Dias
Foto: Getty Images