Sobe hoje ao palco do Teatro Nacional S. João (TNSJ) a peça “Ella” (1970), uma produção do Teatro da Raínha com encenação de Fernando Mora Ramos e texto de Herbert Achternbusch.

Ella é uma mulher que teve uma infância “de muita pancada”. Foi vendida pelo pai ao noivo, que teve um percurso em instituições psiquiátricas e que acaba os seus dias na capoeira da irmã.

Durante toda a peça, Ella (Clara Joana) permanece calada frente a uma televisão, enquanto o seu filho José faz um café e relata a vida da mãe na primeira pessoa.

A televisão assume assim um papel importante na peça pois “Ella é engolida pela televisão”, que “funciona como uma espécie de soro fisiológico, retira-lhe o direito à palavra”, explica Fernando Mora Ramos.

“Toda a história dela passou para o filho. Porque o filho é a mãe, o filho não tem existência autónoma”, continua o encenador. “Nesta peça, para além da história de uma vida, há a exploração de um determinado universo mental, que é fornecido através das palavras. É uma radiografia de uma cabeça. Há nisso uma dimensão talvez um pouco psicanalítica”, refere.

Segundo o encenador, este é o retrato de uma vida “a preto e branco, ou só a preto ou só a branco”.

Representar em silêncio

Para Clara Joana, interpretar Ella foi um desafio, já que durante toda a peça a actriz permanece sentada frente a uma televisão, reagindo apenas a sensações, fora do nível perceptivo.

“Levou tempo até perceber o que estou ali a fazer. Não estou a ouvir e isso é um bocado autista, débil mental, resultado das coisas todas que lhe aconteceram. Ela está num planeta, num universo já só dela”, diz.

Uma tragicomédia simples

Segundo Fernando Mora Ramos, a obra “problematiza sem complicar”, pois, apesar de “complexa”, esta história é “popular”. “Ella” é um monólogo em tom coloquial e numa linguagem simples que Mora Ramos apelida de “infralíngua”, língua algo deficiente que reflecte uma “determinada cultura rural”.

Fernando Mora Ramos define esta peça como uma tragicomédia: “tem traços profundamente trágicos e outros com uma resolução que é cómica”.

O director do TNSJ, Ricardo Pais, considera que “Ella” é o melhor trabalho de Fernando Mora Ramos.

“Ella” estreia hoje às 21h30 e estará em cena até ao dia 20 de Novembro. Depois do Porto, segue para as Caldas da Raínha. “Depois vai vadiar por aí, como Ella, como os ciganos”, antecipa o encenador.

Paula Coutinho
Foto: DR