Um ano depois da liberalização dos textêis chineses, mantêm-se os receios e as acusações de concorrência desleal e violações das leis do comércio.

Nuno Zhu tem apenas 21 anos. Este jovem empresário chinês lançou-se no mercado têxtil português há cerca de três anos. O armazém de vestuário de Zhu fica localizado na chamada “Chinatown do norte”, na Varziela, Vila do Conde.

São 10h00 da manhã de sábado. O movimento de vendas é quase inexistente. Apenas se vislumbram alguns chineses à porta dos grandes armazéns. “A maior agitação só se verifica a partir das duas da tarde”, explica o empresário num português perfeito. Na zona industrial encontra-se de tudo, desde vestuário, calçado, bijutarias, quinquilharia, malas, alimentação. Os produtos são imensos – basta procurar pelos mais de 100 armazéns da zona.

Um chinês e três portugueses trabalham na empresa de Nuno Zhu. Quando perguntamos pelos funcionários portugueses esboça um sorriso e explica que a maioria não trabalha ao sábado: “Os funcionários portugueses só trabalham as 40 horas semanais”. Habituados a horários de sol a sol, Zhu confessa que o povo chinês não está habituado a trabalhar tão poucas horas. “Nós não temos horários. Se tivermos que trabalhar mais de 40 horas, paciência”, diz, encolhendo os ombros.

“Na China o trabalho representa tudo”

“Trabalho, trabalho, trabalho”. É o segredo apontado por Nuno Zhu para o sucesso empresarial. “Na China trabalha-se por objectivos. Quanto mais trabalhamos, maior a remuneração”, explica.

A diferença parece estar também, de acordo com o empresário, no conceito de trabalho dos orientais. “Na China o trabalho representa tudo, o respeito e a dignidade na sociedade. Quem não tem trabalho é considerado um marginal, porque o sistema social na China não se compara ao europeu – quem não trabalha não tem o que comer”, diz.

O salário mínimo na China é de 50 euros e devido ao excesso de mão de obra há sempre alguém prestes a substituir o trabalhador. “O que se ganha em Portugal é dez vezes mais”, diz Zhu. Por isso, os chineses fixados em Portugal têm “um nível de vida médio”.

A entrada de produtos têxteis chineses em Portugal, nos últimos meses, a preços muito baixos e o crescente desemprego, fez aumentar atitudes de xenofobia entre os portugueses. Há quem considere a presença chinesa uma ameaça à economia nacional. “Não digo que nos sentimos como uma ameaça, mas sentimo-nos ameaçados, porque alguns comentários são agressivos”, lamenta o empresário, consciente, porém, que representam uma concorrência directa aos têxteis sedeados em Portugal. “[Devia] haver um diálogo maior entre portugueses e chineses, em vez de tantos protestos”, defende.

Desemprego sobe em flecha

Segundo os dados do terceiro trimestre de 2005, do Instituto Nacional de Estatística, existem quase 430 mil desempregados em Portugal. De acordo com o coordenador da União dos Sindicatos do Distrito de Braga, Adão Mendes, “o cenário agravou-se de tal forma, que em regiões como Guimarães e Barcelos o desemprego duplicou face ao ano passado”. Um factor de peso para tal fenómeno foi a entrada dos têxteis chineses em solo português. No entanto, o sindicalista reconhece a existência de um desemprego estrutural e lamenta: “a tendência é para que o desemprego aumente”.

Um ano depois da entrada em vigor da liberalização dos têxteis chineses já se traçam balanços. Adão Mendes considera que “os portugueses não se prepararam devidamente, no sentido de se tornarem competitivos face à concorrência chinesa”.

Na mesma linha, José Silva Peneda, deputado europeu do PSD e antigo ministro do Emprego no Governo de Cavaco Silva, defende uma “maior agressividade” por parte de empresários e autoridades portugueses como resposta à ofensiva chinesa.

Não às medidas proteccionistas

Porém o antigo ministro acredita que a “aplicação de medidas proteccionistas” seria “um suicídio”. “Como está estabelecida a lei saudável, todos beneficiam, mas é preciso que todos cumpram as regras”, defende.

Para Silva Peneda, que não considera negativo o fenómeno da globalização, “o importante é que os implicados cumpram as regras do jogo” e não violem as regras da Organização Mundial do Comércio, que, segundo o deputado europeu, não têm sido respeitadas pela China.

Cátia Castro