Desde a entrada no parque de estacionamento da rotunda do Castelo do Queijo que a sensação de clandestinidade invade o espectador. Um arrumador em trajos andrajosos reclama que o sigam, indica o sítio a estacionar o carro e diz, num tom quase sigiloso, “Sintonizem o rádio em 95.5”.

Assim começa a peça de Bernard-Marie Koltès, “Na Solidão dos Campos de Algodão”, em cena até 16 de Abril, numa produção do Teatro Plástico. Várias viaturas estacionadas em linha escondem espectadores que são, simultaneamente, personagens e cenário da peça. É possível observá-los entre vidros embaciados, é notória a percepção geral de que todos fazem parte da cena, que ganha nova dimensão graças ao “voyeurismo” forçado sobre uma conversa supostamente privada.

Entre uma iluminação de “film noir” dos anos 70, o primeiro interveniente chega, imponente e calmo em trajes de cabedal, e espera, no centro do cenário, pelo segundo, vestido de vermelho e em pose de desafio. A peça ganha aqui ainda outra vertente inesperada, a gráfica, e o ambiente cinemático instaura-se. Começa então a discussão, “um pugilato verbal em 18 assaltos”, segundo o encenador Francisco Alves, entre um negociante e um comprador. O negociante nunca diz o que vende, o comprador nunca diz o que pretende, e o debate decorre em termos filosóficos e simbólicos sobre o papel das personagens nocturnas dos ambientes urbanos em que a solidão obriga ao confronto.

A iluminação vai variando muito subtilmente ao longo de toda a peça, enquanto a discussão sobe em tom e agressividade. O parque de estacionamento revela-se como perfeito para cenário da conversa nocturna, já que cada gota de água que cai ressoa por todo o espaço e os autocarros e motociclos não param de contornar a rotunda, frisando constantemente a pressão urbana sobre as personagens. Não por acaso, ouve-se também o mar ao fundo.

Esta é mais uma produção do Teatro Plástico, associação pioneira na produção e encenação de obras “avant garde” em Portugal, que perfaz em breve 10 anos de existência. Os bilhetes para “Na Solidão dos Campos de Algodão” custam 10 euros por pessoa.

Texto e foto: André Sá