Há momentos na vida em que uma pessoa se interroga sobre o que terá acontecido ao amigo que teve na infância e que nunca mais viu, à vizinha, ou vizinho, de quem se gostava e que desde que ela, ou ele, se mudou nunca mais teve notícias. Alexander Kelly decidiu fazer aquilo com que sempre sonhou e dedicar-se à investigação. Neste caso concreto, investigar onde estavam e que vidas tiveram os seus 34 colegas de turma da escola primária, os “mitos da sua infância”.

Nasce assim a “Class of ’76”, na qual, a partir de uma fotografia de turma daquele ano, Kelly pesquisa os paradeiros de todos os seus colegas. O resultado, apresentado no ano 1999, mentia ao público sobre as vidas das pessoas na fotografia. Em 2001, Kelly decidiu contar as histórias verdadeiras. Todo esse percurso foi apresentado hoje, domingo, no auditório da Fundação de Serralves, no âmbito do festival Trama.

Alexander Kelly, uma das metades fundadoras da companhia Third Angel e criador desta performance, usou uma explicação que o seu pai, que é escultor, lhe dava quando ele lhe perguntava o porquê do pai esculpir: esculpia porque tinha de o fazer. Kelly pesquisou e procurou os seus colegas e os seus percursos de vida exactamente por isso, porque tinha de o fazer.

O artista britânico faz uma ressalva curiosa. Quando juntou os colegas de primária que conseguiu encontrar, eles estavam muito interessados em saber de que é que cada um se lembrava daqueles tempos, particularmente em relação a cada um dos companheiros. Coisas como jogos de berlindes e as suas respectivas regras, incidentes de troca de brinquedos que acabavam mal e afins.

A fotografia de grupo, projectada contra um pano preto, só era visível quando Kelly segurava um papel branco na sua direcção. Isto permitia que o britânico falasse sobre os seus colegas um a um. Havia Sara Turner, “por quem todos os rapazes estavam apaixonados”, Steven Lee, que venceu a corrida de carrinhos de supermercado roubados e que tinha um dente da frente partido para o provar, entre muitos outros.

A história mais fantástica, segundo o próprio Kelly, seria a da rapariga que aos 18 anos ficou tetraplégica, mas que depois de passar anos a fazer fisioterapia quatro horas por dia conseguiu recuperar algum movimento e está, neste momento, a dar aulas de Punjabi. Agora vai ter fisioterapia oito horas por dia para conseguir andar quando começar o mestrado em Linguística.

Dos 35 da fotografia houve cinco que Alexander Kelly não conseguiu contactar. Facto que não escondia alguma tristeza da parte do responsável pela performance. Aqueles que conseguiu encontrar e reunir num pub em 2000 combinaram repetir a experiência dentro de 20 anos. Vai ser tempo suficiente para voltarem a perder o contacto uns dos outros, afirmou o artista.

O festival Trama prossegue esta noite em Serralves com as actuações de Martine Pisani e eRikm às 22h e 23h, respectivamente. Amanhã é dia de Mike Patton com Rob Swift e Total Eclipse dos X-Ecutioners, na Casa da Música.

Tiago Dias
Foto: DR