Um baixo, uma bateria, uma guitarra portuguesa e a voz em pranto de Maria Antónia Mendes foram suficientes para resgatar o fado da repetição a que muitas vezes se julga condenado. Alguns “samples” electrónicos em pano de fundo também não prejudicaram a sua modernização.

Na apresentação daquela que é a segunda jornada de desconstrução fadística do projecto A Naifa, decorrida ontem à noite, quinta-feira, no Rivoli, assistiu-se a todo um universo de culturas sonoras, desde a sul-americana, até laivos de folk romeno, filtrados por uma guitarra portuguesa que, sortilégio ou não, foi submetida à acção de pedais de efeitos electrónicos.

O baixo de João Aguardela e a bateria de Paulo Martins acrescentam rasgos de trip-hop de “film noir” a que a voz em sofrimento tipicamente fadista é adequadamente sobreposta. Mas é a guitarra portuguesa que confere uma identidade genuína e sensação de coerência original ao projecto.

O concerto de ontem à noite conquistou a sala pela metade que não esvaziou até que se perfizessem dois “encores”. O à vontade ao vivo dos membros do projecto é já mais que notório, já que entre o bailado subtil da vocalista, a pose quase punk do baixista e a postura clássica do guitarrista Luís Varatojo, a banda manteve a comunicação com o público que no último tema já cantava e acompanhava o ritmo com palmas.

“Três minutos antes da maré encher” é o nome do álbum que “A Naifa” promoveu em digressão nacional e que chega ao fim em Lisboa, no próximo dia 13. Pelo caminho terá exibido uma nova tendência, o que começa já a ser notado em grupos como os também descontrutivistas Fadomorse, e que poderá constituir o material mais relevante que a música portuguesa terá para exportar nos próximos anos.

André Sá
Foto: DR