Quem esperava que um concerto de Yann Tiersen fosse coisa levezinha, música para acompanhar o sorriso da Amélie, espectáculo intimista para ouvidos sensíveis, enganou-se redondamente.

Tal como na Figueira da Foz, aquando da sua última passagem por Portugal, o Yann Tiersen do passado sábado, na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, foi, acima de tudo, um músico de rock. Isso talvez tenha chocado parte da audiência que encheu por completo o auditório, mas não pareceu preocupar o músico e seus acompanhantes.

Apesar da tendência já descrita, o concerto começou como esperavam os espectadores menos habituados às excentricidades do gaulês em palco. Apenas o multifacetado músico e o seu companheiro indissociável, o acordeão. Mas Tiersen, muito dado a experiências que lhe dão grande parte da originalidade, tinha, desde logo, uma surpresa. A primeira canção continha um estranho sinal sonoro, em português, com o guitarrista a aproximar momentaneamente o telemóvel do microfone. Assim se faz música das formas menos esperadas.

Pouco depois, sem quebrar o ritmo inicial, Yann Tiersen senta-se no chão do palco e, como uma criança, “brinca” com os pequenos pianos infantis que são também uma das suas imagens de marca. Lentamente, convida os “amigos” para a “brincadeira”, e é assim que a coisa começa a ficar mais séria. Um dos músicos que o acompanham faz a guitarra gemer com um arco, para mais tarde a tocar com uma das baquetas da bateria.

Ao longo do espectáculo evidenciaram-se, essencialmente, músicas de três álbuns: “Les retrouvailles”, trabalho mais recente e destaque quase óbvio; e os mais antigos “L’absente” e “Le Phare”. A terceira faixa do concerto constituiu mais uma amostra do último álbum. Num ritmo ainda morno, Yann regressa ao acordeão, para daí a pouco mostrar mais uma vez a sua versatilidade, desta feita, de violino nas mãos, tocado energicamente.

É só quando chegamos à quinta canção que Tiersen se aventura de microfone na mão. Longe de ser um cantor, convida na maioria das vezes outros para interpretar com palavras as suas composições, mas atreve-se por vezes a sussurrar de uma maneira muito francesa o que lhe ia na alma, por alturas da criação. Basta um tema cantado baixinho para, nos agradecimentos seguintes, a rouquidão ser evidente. A intensidade do concerto começa então a chegar a terras do rock para praticamente nunca mais deixar esse registo. E mesmo músicas que em estúdio soam melancólicas e frágeis, como “Les bras de mer” ou “Monochrome”, surgem musculadas em palco, atrevidas e exprimindo uma revolta que faz mais pensar em Radiohead ou em Muse do que no autor da banda sonora de “O fabuloso destino de Amélie”.

De longe a longe, para atenuar ligeiramente os efeitos das guitarras experimentadas das formas menos convencionais, Yann Tiersen fica sozinho em palco, ora com o acordeão, ora com o violino, ora com os pequenos pianos, mas também por uma vez ao comando de um teclado, para nos dizer que “Il n’y a plus d’hiver”, do seu último trabalho. “Mary”, tema do mesmo disco e que é cantado por Liz Fraser, dos Cocteau Twins, teve direito a uma interpretação instrumental. A primeira parte do concerto acaba com o guitarrista a cantar num inglês peculiar, como quem diz “eu sou francês”, ou seja, mal se conseguindo perceber a letra.

Apesar da já referida surpresa relativa na maneira como Yann Tiersen e os seus músicos interpretaram os temas em palco e que, a certa altura, é preciso dizê-lo, chegou a ser monótona, o público aplaudiu com justiça e não se limitou a conceder o costumeiro “encore”, forçando os músicos a um segundo regresso ao palco. E se não fosse o final do espectáculo, dir-se-ia que Tiersen queria que esquecêssemos completamente o seu percurso como autor de bandas sonoras. Mesmo assim, foi uma Amélie a “rockar” mais do que a dançar a valsa, numa versão bem-conseguida de “La valse d’Amélie”.

Depois de uma ovação, os músicos deixam o palco. Yann Tiersen, artista alucinado mas cheio de confiança nas suas qualidades, deixou em Famalicão um rasto de ideias novas para fazer música, uma versatilidade capaz de calar o mais exigente dos críticos, mas também a sensação de que não havia necessidade de fazer tanto barulho. Todavia, os ouvidos habituam-se e os de quem presenciou o espectáculo de ontem pareciam ansiosos pelo regresso do homem que conseguiu voltar a pôr a música francesa no mapa da originalidade.

Texto e foto: Carlos Luís Ramalhão