Foi o primeiro escritor de língua árabe premiado com o Nobel da Literatura, em 1988. Controverso, crítico, politicamente comprometido, Naguib Mahfuz morreu hoje, aos 94 anos.

Mahfuz era considerado o “Balzac do Egipto” e um dos escritores árabes contemporâneos mais inovadores. Escreveu cerca de 40 novelas e colecções de contos, onde o tema central é o homem e a sua impotência para lutar contra o destino e certas convenções sociais.

A “Trilogia do Cairo” (1956-1957), lançada na sequência do clima de mudança política que se seguiu à queda da monarquia egípcia, em 1952, ilustra essa denúncia social. Inspirada na sua biografia, narra a história de uma família muçulmana durante o período de 1917 e 1944, no Egipto.

Condenado à morte por líder religioso

Naguib Mahfuz sempre manifestou o seu apoio incondicional ao tratado de paz entre o Egipto e Israel em 1978, o que lhe custou a inclusão nas listas negras de vários países árabes. Pacifista e símbolo do repúdio dos fanatismos islâmicos que controlam os discursos do Médio Oriente, Mahfuz reuniu vários inimigos políticos e religiosos.

O seu mais famoso romance, “Children of Gebelaawi” (1959), valeu-lhe a condenação à morte, no final da década de 80, pelo líder islâmico radical Omar Abdel Rahman, actualmente na prisão pelo atentado às Torres Gémeas de Nova Iorque em 1993. O livro assume-se como uma alegoria semi-bíblica, onde entram personagens como Maomé e Jesus, estando proibido no Egipto.

A ousadia criativa transformou-o num alvo fácil de extremistas religiosos. Em 1994, foi apunhalado no pescoço por um fundamentalista e, dois anos mais tarde, foi classificado de “herege” e, mais uma vez, condenado à morte por grupos islâmicos radicais.

A sua saúde começou a deteriorar-se após o esfaqueamento de 1994, que lhe causou graves danos na visão e audição, bem como uma paralisia do braço direito. No passado 18 de Julho, foi internado no Hospital da Polícia de Al Aguza, no Cairo, onde viria a falecer.

Conta ainda, entre outros, com o Prémio da Academia da Língua Árabe e o Prémio Egípcio da Literatura. Escritor, tradutor, argumentista de filmes, ficará para a História da Literatura como um dos prosadores mais cativantes do século XX. Palavras perigosas e sedutoras como as da mítica Xerazade, que reconstituiu em “As Noites das Mil e Uma Noites”.

Carina Branco
Foto: Prémio Nobel da Literatura