A segunda língua mais falada no mundo tem particularidades únicas. A propósito do Dia Internacional da Língua Chinesa, que se celebra este sábado, o JPN esteve no Instituto Confúcio, onde este idioma é ensinado, para saber mais sobre o ensino de chinês e as suas características especiais.

Mafalda Peixoto, de 21 anos, é estudante de Direito e está a aprender chinês desde 2022. É aluna do Instituto Confúcio da Universidade do Porto, tal como Jorge Gil, de 27 anos, doutorando em Engenharia Mecânica. A propósito do Dia Internacional da Língua Chinesa, que se celebra este sábado (20), o JPN visitou o instituto e falou com alunos e professores. 

Para Mafalda Peixoto, entrar no curso foi uma “decisão espontânea“. Sempre gostei muito de línguas. Estava à procura de um idioma para aprender e um dia recebi um email do Confúcio. Decidi experimentar e foi uma agradável surpresa. Quando comecei, não conhecia muito, nem da língua nem da cultura chinesa. Agora, tenho muito mais carinho pela língua e pelo país. Gostava de visitar a China. Reparo cada vez mais que [saber chinês] é um fator diferenciador e que é uma língua que está a crescer, devido à crescente influência global da China. É uma mais-valia em termos profissionais, sem dúvida”, diz ao JPN.

Quanto às principais dificuldades na aprendizagem da língua, Jorge Gil considera que “os temas mais difíceis são os caracteres e os tons. O facto do chinês ser uma língua tonal torna-a muito difícil, muito diferente, e depois, obviamente, [é complicado aprender] os caracteres por serem tantos e tão distintos”, referiu ao JPN.

O Instituto Confúcio ocupa dois andares num edifício da Rua de Ceuta. Tem duas salas de aula, uma para os alunos mais novos e outra para os alunos mais velhos. Todos os espaços têm decorações alusivas à cultura asiática, como máscaras de ópera chinesa. A sala no segundo andar, usada pelos alunos mais novos, tem estantes cheias de livros infantis e ferramentas, como um copo que gira dentro de um outro para mostrar diferentes combinações de caracteres chineses, que tornam a aprendizagem da língua mais interativa.

Os alunos de nível intermédio de chinês têm aulas no primeiro andar. São todos adultos. A professora responsável é Wang Feng (王丰) que é da opinião de que é mais fácil ensinar a língua a um adulto do que a uma criança. Nos dois casos, é importante que o ensino seja dinâmico. “Prefiro ensinar chinês aos meus alunos adultos de uma forma interessante. Embora sejam adultos, desenho atividades e jogos e eles gostam muito disso”, disse a professora Wang.

A professora partilha da opinião do aluno, Jorge Gil: a gramática e os caracteres são das coisas mais difíceis de aprender para os estudantes portugueses. “Especialmente os caracteres, são especiais; mas penso que todos os meus alunos estudam muito bem, estão interessados na língua e na cultura chinesa e acho que o interesse é o melhor professor quando se quer aprender um idioma”, afirmou.

O primeiro passo para aprender chinês, explicam as professoras Wang e Guo, é aprender pinyin (拼音), formalmente conhecido como hanyu pinyin (汉语拼音 / 漢語拼音). Pinyin é o sistema usado para transcrever os caracteres Han em letras romanas (romanização), adotado oficialmente em 1958 e baseado na pronúncia dos caracteres em Mandarim.

“Pinyin ensina os estudantes a ler e pronunciar chinês. Penso que aprender a pronunciar é um passo básico, muito importante”, explicou Wang Feng.

“É a primeira coisa que eles precisam de aprender, tal como soletrar e ler. Depois disso, podem aprender a escrever caracteres. Os alunos têm material para isso, aprendem letra por letra, aprendem a pronunciar a combinação das sílabas e assim pronunciam chinês”, acrescentou Guo Yunjie.

Os caracteres Han podem ser transcritos no alfabeto romano através do sistema Pinyin. Natalia Vásquez

A pronúncia da língua tem algumas particularidades. A professora local do instituto, Guo Yunjie, disse que o Mandarim tem quatro tons. “O primeiro [tom] é plano, o segundo sobe, o terceiro desce e, depois, sobe, e o quarto desce. Este é o sistema mais simples que existe na China. Noutros dialetos, existem mais. Por exemplo, o cantonês tem nove tons”, explicou.

Os tons são uma parte muito importante da língua chinesa. Desde o começo das aulas, há um grande ênfase em aprender a forma correta de pronunciar as palavras, visto que cada tom pode fazer referência a “20 ou 30 caracteres”, segundo a professora Guo.

[Há caracteres que] são escritos de forma diferente, mas que têm o mesmo tom. A combinação entre os caracteres [na pronúncia] faz um trabalho específico para que o ouvinte saiba qual é a palavra que o falante está a dizer”, afirmou Guo Yunjie. “No início, quando os alunos não conseguem pronunciar corretamente podemos adivinhar [que palavra estão a dizer], porque são parecidas, mas se eles não quiserem soar como estrangeiros, têm de pronunciar bem”, acrescenta. 

Com dedicação, um aluno pode demorar mais ou menos um ano para dominar a pronúncia correta das palavras. 

Mandarim: a língua padrão na China

A língua chinesa não é só mandarim. Está dividida em dez subgrupos: Mandarim (普通话 ); Wu (吴语); Yue [cantonês] (粤语); Min (闽语); Jin (晋语) [às vezes, incluído no mandarim]; Xiang (湘语); Hakka (客家话); Gan (赣语 ); Hui (徽语) [às vezes, agrupado com Wu]; e Ping (平话) [às vezes, agrupado com Yue]. 

A professora Guo Yunjie explica que esses dez grupos não correspondem a apenas dez dialetos. “Dentro de cada grupo, podem existir centenas de dialetos diferentes. Especialmente, na parte sul da China, pessoas de aldeias diferentes não se conseguem entender entre si, porque há variações na pronúncia e nos caracteres. Existem muitos dialetos”, afirmou.

No entanto, cada um destes grupos usa o mesmo sistema de escrita, porque os caracteres chineses são baseados no significado das palavras e não na pronúncia. Apesar de os falantes de alguns dialetos não se perceberem entre si, como os de mandarim e de cantonês, a escrita continua igual e pode ser a única forma de comunicação entre pessoas que não aprenderam mandarim.

Existem alguns idosos que não conseguem entender as pessoas de outras aldeias. Mas, se eles souberem escrever, conseguem comunicar com outros a escrever. É incrível”, disse Guo Yunjie.

Mapa dos dialetos falados na China Wyunhe / Wikimedia Commons

No entanto, desde 1932, a língua padrão na China é o mandarim. “Mandarim é a língua oficial. É um dialeto do norte e usamo-lo como língua oficial. Atualmente, é ensinado nas escolas e toda a gente fala e entende mandarim, é por isso que o ensinamos aos alunos no Instituto Confúcio”, afirmou a professora Guo.

 

Uma língua com características únicas

Há seis tipos básicos de caracteres chineses. Os mais utilizados são os pictogramas, que imitam a forma das coisas e representam conceitos concretos, e os ideogramas, que representam ideias e conceitos abstratos.

Por exemplo, o caracter chinês usado para a palavra “boca” é um pictograma que representa uma boca aberta. Por outro lado, os caracteres chineses que representam “cima” e “baixo” são ideogramas e têm uma linha na direção que querem apontar.

Algumas palavras têm dois caracteres, outras têm três caracteres. O sistema de língua chinesa é construído desta forma. Todos os caracteres que usamos na história são, talvez, dez mil, mas os que usamos, hoje em dia, com frequência são mais ou menos três mil”, disse Guo Yunjie. Para que um aluno de chinês seja considerado fluente, tem de conhecer, pelo menos, os três mil caracteres mais usados.

A escrita dos caracteres também é feita numa ordem específica. A ordem dos traços serve para deixar os caracteres bonitos e para escrever rápido. Precisamos de encontrar o caminho mais curto para conectar um traço com o outro traço, senão a escrita fica muito lenta e menos equilibrada. É importante ensinar isto aos alunos que estão no básico, porque, no começo, eles pensam ‘para que é que importa a ordem dos traços, se no final consigo escrever o caracter?’, mas, como professores, insistimos para que os alunos possam escrever melhor no futuro”, contou a professora Guo.

Exemplos de pictogramas e ideogramas. As setas mostram a ordem em que deve ser feitos os traços. Natalia Vásquez

Os caracteres chineses têm ainda uma outra particularidade, já que podem ser escritos de duas formas distintas, uma simplificada e uma tradicional. A escrita tradicional é mais complexa, com mais traços, enquanto a escrita simplificada, como indica o seu nome, tem menos traços e é mais fácil de escrever e memorizar.

“Na antiguidade, apenas os nobres e os ricos podiam ter acesso à educação. Para a classe média baixa, era difícil reconhecer e relembrar tantos caracteres. Agora, todos têm acesso ao ensino e podem ler e escrever. Os caracteres foram simplificados para que a leitura e a escrita seja mais fácil, mas os caracteres simplificados não apareceram do nada, já existiam de alguma forma ao longo da história”, concluiu a professora Guo.

Os caracteres tradicionais têm mais traços do que os simplificados. Natalia Vásquez

O “Dia da Língua Chinesa”, que se celebra a 20 de abril, foi estabelecido, em 2010, pela Organização das Nações Unidas (ONU). A celebração acontece no dia Guyu (谷雨, chuva de grãos em mandarim), data que homenageia o lendário criador dos caracteres chineses, Cāngjié (仓颉). 

Guo Yunjie  (发送自), professora local do Instituto Confúcio da Universidade do Porto, explicou ao JPN que, segundo a tradição, Cāngjié “observou os rastos dos animais no chão e usou os seus rastos para criar os caracteres” há mais de cinco mil anos. Cāngjié, de acordo com a lenda, era um homem com quatro olhos, ministro e historiador oficial do Imperador Amarelo.

“Na lenda, as pessoas deram muito crédito a Cāngjié, porque a sua invenção ajudou-os muito. Os deuses também se comoveram com a ação e fizeram uma chuva de grãos neste dia [20 de abril]. É uma festa, comemoramos a criação dos caracteres, a invenção da linguagem escrita”, explicou Guo Yunjie.

A história dos caracteres chineses recua ainda mais no tempo. Os caracteres são um dos sistemas de escrita mais antigos no mundo, com origem no século XIV a.C., na dinastia Shang. 

Os também chamados caracteres Han (汉字 / 漢字) surgiram da necessidade humana de escrever e registar o que acontecia no mundo, explicou a professora Guo.“[Os chineses antigos] encontraram maneiras de descrever, desenhar coisas e simplificá-las para ser fácil de escrever e entender”, acrescenta.

O Instituto Confúcio resulta de uma parceria entre a Universidade do Porto e a Guangdong University of Foreign Studies. Lá os alunos podem aprender chinês, desde o nível Básico I até ao Avançado II.

O Instituto dedicou uma semana inteira à celebração do Dia Internacional da Língua Chinesa, com várias atividades, entre as quais concursos de caligrafia e de músicas chinesas. As comemorações terminam este sábado (20) com um concerto de Lu Yanan, Pipa e Guzhen, na reitoria da Universidade do Porto, em parceria com a Casa Comum.

Editado por Inês Pinto Pereira