É indubitável que o Dubai é sinónimo de opulência. Os seus edifícios estonteantes e extravagantes são prova de um urbanismo ultramoderno e absolutamente arrebatador, onde o inimaginável e o impossível não têm limites. Liderado por Mohammed bin Rashid Al Maktoum, de 71 anos, a cidade que dá nome ao pequeno estado federado, sofreu uma verdadeira mutação cosmopolita, tendo sido transformada num centro comercial e financeiro e num dos mais procurados destinos do mundo.

Mohammed Bin Rashid Al Maktoum é o emir do Dubai e vice-presidente dos Emirados Árabes Unidos. Foto: Norbert Schiller - Creative Commons

Impulsionado pelo turismo, o Emirado deixou de ter como principais receitas o petróleo e o gás natural, apostando no imobiliário e na edificação de construções megalómanas para se afirmar e chamar a si os holofotes da excentricidade. O principal rosto deste alucinante desenvolvimento foi o atual governador do Dubai, que sucedeu ao irmão em 2006.

Considerado um dos homens mais poderosos e conservadores do mundo, ajudou a lançar empresas como a companhia aérea Emirates e apostou na construção do mais alto arranha-céus de sempre, o Burj Khalifa. A verdade é que, por detrás de toda a extravagância do emir, esconde-se uma controversa vida familiar, na qual é suspeito de mandar sequestrar a própria filha.

O cativeiro às mãos do pai

É nesta dura realidade que se encontra a princesa Latifa Bint Mohammed al-Maktoum. Desaparecida desde 2018, após uma tentativa de fuga dos Emirados Árabes Unidos, não voltou a ser vista, desde então. Num vídeo agora divulgado pela BBC, e pelo jornal britânico “The Guardian”, Latifa relata a situação em que se encontra e afirma que foi sequestrada pelo seu pai. “Eles sequestraram-me numa mansão que foi transformada em prisão. Todas as janelas estão pregadas e não consigo abri-las. Estou em confinamento solitário, sem acesso a cuidados médicos”, referiu a xeique de 35 anos, que tem enviado gravações clandestinas a vários amigos.

As filmagens foram divulgadas ao programa “Panorama BBC” por uma amiga de Latifa, Tiina Jauhiainen, um primo materno, Marcus Essabri, e o advogado e ativista David Haigh. Todos eles são os promotores de uma campanha internacional de libertação da princesa. A iniciativa de divulgarem agora os vídeos acontece depois de terem perdido contacto com Latifa e de terem solicitado a intervenção da ONU, sendo cada vez mais denso o mistério em torno do bem-estar da princesa.

Estes foram, igualmente, os responsáveis por fazerem chegar à xeique um telemóvel, um ano após ter sido capturada, com o qual tem relatado as deploráveis condições de que tem sido alvo.

Nos excertos difundidos pela BBC, a filha do também vice-presidente e primeiro-ministro dos Emirados Árabes Unidos, refere que está a gravar “numa casa de banho porque é a única divisão com uma porta que possa trancar”, destacando a forte presença de polícias armados tanto como no interior como no exterior da casa.

Notoriamente insegura acerca do seu futuro, Latifa adianta que não sabe quando será libertada, declarando temer pela sua segurança.

“Não sei se vou sobreviver a esta situação. A polícia ameaçou-me, disseram-me que ficarei toda a vida na prisão e não voltarei a ver o sol outra vez”, acrescenta. “A situação está a ficar desesperante a cada dia que passa” (…) “Só quero ser livre”, afirma Latifa num dos vídeos, em tom melancólico, mostrando evidentes sinais de angústia e desânimo.

Ânsia de deixar o país em busca de liberdade

A insatisfação da princesa Latifa perante o poder absoluto e incontestável do pai não é de agora. A xeique foi, pela primeira vez, notícia em 2002, aquando da sua primeira tentativa de fuga do país, com somente 16 anos de idade. Aí, tenta chegar à fronteira com Omã, mas acaba detida. Garante ter sido torturada e sujeita a dois anos e meio de confinamento numa cela solitária.

Uma década depois, começa a delinear um novo plano de fuga, que se concretizaria em 2018. Num vídeo feito em casa de Jauhiainen, Latifa deixou um testemunho gravado no qual especificava que iria tentar fugir, em fevereiro de 2018.  “Não saio do país desde 2000. Pedi muito para me deixarem viajar, para estudar, fazer alguma coisa normal. Não me deixam. Preciso de sair”, diz. Foi então que encetou o plano, concebido durante sete anos mas que acabou por ser mal-sucedido.

Com uma amiga viaja mais de 40 kms, através de jet squis e de um braco insuflável, até chegar a águas internacionais, onde teriam à sua espera um ex-espião francês que as recebe a bordo de um iate. Este deveria levar Latifa até Goa, na Índia, de onde embarcaria para os Estados Unidos para pedir asilo político. Uma verdadeira odisseia cinematográfica que não conheceu um final feliz, uma vez que 8 dias após a princesa ter fugido, o barco acabou cercado por militares indianos que a drogaram com um tranquilizante.

Latifa ficou inconsciente e foi levada de volta para os Emirados Árabes Unidos (EUA), num avião particular, tendo sido devolvida à família, encontrando-se presa desde então.

A interminável teia de escândalos familiares que assombram a dinastia

Latifa Al Maktoum não é a única na família a tentar fugir do país. A 15 de abril de 2019, a madrasta e sexta mulher do emir, princesa Haya Bint Al Hussain da Jordânia, foge para o Reino Unido com os dois filhos, – Jalila de 12 anos e Zayed de oito – país ao qual pediu proteção, alegando ser alvo de violência por parte do regime. Defende que o casamento foi forçado e acusa o marido e o governo de tortura física e psicológica. De acordo com a imprensa, o emir desconfiava que a princesa tivesse uma relação extraconjugal com um segurança privado.

Haya Bint Al Hussain. Foto: Paulo Filgueiras - UN Photo

Foi, igualmente, aberto um processo de divórcio e pela guarda dos filhos, nos tribunais britânicos. A princesa jordana dizia temer pela sua vida, devido às ameaças das quais era alvo por parte do marido. Mais tarde foi divulgado que Haya pediu também protecção para a filha Jalila, uma vez que esta iria ser forçada a casar com o príncipe Mohammed bin Salman, o sucessor ao trono.

O caso conheceu entretanto desenvolvimentos e em março de 2020, um tribunal de Londres deu como provado que o xeque Mohammed bin Rashid al-Maktoum, ordenou o rapto de duas filhas e ameaçou a ex-mulher.

Perante a incomensurável atenção mediática que se gerou em torno do caso e atendendo ao arrepiante apelo e testemunho da princesa Latifa, o órgão de supervisão dos Direitos Humanos das Nações Unidas afirmou, no dia 19 de fevereiro, ter pedido mais detalhes aos Emirados Árabes Unidos sobre a atual situação da xeique, assim como uma prova de que ainda está viva. Porém, nem o Departamento de Comunicação nem o Ministério dos Negócios Estrangeiros dos EAU se mostraram disponíveis para responder de imediato às solicitações da ONU.

Assim, os próximos tempos serão certamente cruciais para apurar os contornos do caso da princesa Latifa, que centrou, no pequeno oásis do golfo arábico, os holofotes da agenda internacional e expuseram a dinastia de Mohammed bin Rashid al-Maktoum, que por detrás da sua opulente e megalómana gestão, na qual transformou um deserto num dos destinos mais excêntricos do globo, esconde o seu autoritarismo e teia de escândalos familiares.