A conferência intitulada “Emprego científico em Portugal, que futuro?”, organizada pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) veio confirmar o diagnóstico do enorme atraso de desenvolvimento do sector em Portugal.

No entanto, é inegável que o número de estudantes tem vindo a aumentar nos últimos anos. Na década de 60 eram cerca de 30 mil os estudantes, e em 2002 passou para mais de 360 mil. Foi nos anos 90 que se deu o grande impulso nos doutoramentos, o que coloca Portugal no topo dos países onde se registou o maior aumento de doutores.
O facto leva a que muitas vezes se fale em excesso de doutores. Contudo este aumento está longe das metas europeias, sendo pelo menos necessário duplicar o número actual de forma a atingir-se níveis compatíveis.
Fernando Ramoa Ribeiro, presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), fala de deficit de doutores e refere que Portugal tem atrás de si apenas a Grécia e a Itália.

Por outro lado, a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) considera que a evolução positiva verificada ao longo dos últimos anos na formação avançada de recursos humanos neste sector não tem sido acompanhada da devida inserção profissional dos recursos formados. A falta de emprego científico em Portugal é assim um fenómeno contraditório face às carências nacionais nesta área.

Fuga de cérebros preocupa comunidade científica portuguesa

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O pouco incentivo neste sector começa agora a levantar sérias questões, que estão a preocupar a comunidade científica portuguesa, associadas à promoção de “brain drain”, ou seja, à colocação crescente de doutorados em centros de investigação e universidades estrangeiras, nomeadamente na Europa.
Esta procura de mão-de-obra cresceu abruptamente nos últimos anos e as perspectivas são de crescimento, visto que as instituições científicas para além de estarem a recrutar investigadores para substitur os que partem para a reforma, contratam mais profissionais.

Estudos revelam que a União Europeia precisa de mais cerca de 700 mil investigadores até 2010. Uma necessidade que está já a ter repercussões, pois a UE está a angariá-los em países do terceiro mundo, como aconteceu na Universidade de Dakar que perdeu 700 docentes.
No entanto, esta expansão europeia faz-se essencialmente com o reforço de recrutamento dentro de países europeus, daí que a procura em Portugal assuma dimensões nunca antes vistas.

Pereira dos Santos, investigador na Universidade Nova de Lisboa e membro do departamento do Ensino Superior da Fenprof, acredita que se a actual tendência não se inverter, dentro de poucos anos Portugal não vai ter capacidade de renovação. Uma situação que é agravada pelo facto de ser uma carreira pouco atractiva, que no início atinge elevados níveis de precariedade, “como acontece, por exemplo, com a não atribuição do subsídio de desemprego”.

Desafios para o futuro da investigação em Portugal

As preocupações estendem-se também aos doutores que estão em Portugal.
No centro da discussão está a dependência da investigação científica dos programas de fundos estruturais. “Uma questão que apenas será contornada com o maior envolvimento do governo”, afirma Fernando Ramoa Ribeiro do FCT.

Pereira dos Santos do departamento do Ensino Superior da Fenprof aponta como um factor negativo o insignificante número de vagas para investigadores e docentes de investigação nas instituições públicas. O investigador critica ainda a centralização da área de investigação em Lisboa que apresenta uma posição privilegiada em relação ao do resto do país.

O professor Pina Cabral considera absurdo que, numa altura em que é fundamental o desenvolvimento da investigação científica, o número de alunos esteja a diminuir e o ensino superior absorva cada vez menos investigadores. “O que é um paradoxo visto que a maior inovação na investigação está nas universidades. É lá que está a criatividade”, refere.
São por isso necessárias medidas de incentivo nas universidades públicas mas também nas privadas. “E é aqui que o governo assume um papel fundamental para o futuro da investigação em Portugal”, explica o professor Mariano Gago.

Os mais cépticos traçam um retrato negro deste sector e acreditam que as perspectivas de investigação são muito limitadas nas instituições públicas, e no sector privado também não são muito animadoras.

Carla Sousa

Fotos: Uta