JornalismoPortoNetHá uma questão muito importante que tem sido pouco debatida. Se a Constituição Europeia, como tudo indica, vier a ser aprovada por todos os estados-membros, a maior parte das votações vão-se basear no critério de população de cada país. E com a Turquia na União, torna-se óbvio que a curto e médio prazo Ancara pode controlar muitas das políticas europeias. Não estaremos perante um cenário do todo ser engolido por uma parte?

Milan Rados – Sim, a Constituição pode levar as coisas por esse caminho. Até agora havia muitas situações em que os países podiam vetar. Países como o Luxemburgo podiam vetar importantes políticas europeias. A partir de agora, o veto será reservado para questões de máxima importância, como admissão de novos estados-membros. O que está previsto agora é que seja necessário 65% do apoio da população europeia e 55% dos estados-membros. Isso quer dizer que se vai criar um Directório formado pelos grandes países que vão efectivamente mandar. A Turquia, com o peso que tem, vai-se tornar obviamente num elemento muito importante nas votações do Conselho Europeu. Aliás, por isso é que é tão necessário que a Turquia seja muito bem preparada a nível democrático e económico, para poder compartilhar as decisões de forma democrática com outros países. Mas sim, a Turquia vai passar a ser imediatamente um dos grandes da UE.

Países de média dimensão como a Polónia, a Itália, Espanha e até Portugal têm sido os mais entusiastas em relação à adesão turca. Será que a entrada da Turquia pode ajudar a criar uma alternativa plausível para estes países de média dimensão em relação ao eixo Paris-Berlim?

Acho que a Turquia vai de facto funcionar como um contra-poder em relação à França e à Alemanha. Agora, a principal razão porque estes países, incluindo Portugal, apoiam a entrada da Turquia na União é a pressão dos EUA. Estes são todos países pró-Estados Unidos e vão fazer o jogo de Washington. Porque a mim parece-me que Portugal só vai sair prejudicado com a Turquia na União Europeia.

“Portugal vai ter de engolir um sapo pouco agradável”

A propósito de Portugal, o governo da coligação tem dito sempre que é uma questão de coerência que a União Europeia abra definitivamente as negociações com Ancara. Este não é um argumento demasiado vago para uma questão tão importante?

A dependência política que Portugal tem dos Estados Unidos da América obriga a que o governo português esteja ao lado da política defendida pelos norte-americanos. E por isso é preciso arranjar uma justificação e é isso que o governo tem estado a fazer de forma a convencer os portugueses da legitimidade da sua causa. A nível económico, a entrada da Turquia vai fazer com que os subsídios dos quadros comunitários de apoio deixem de vir para Portugal. Eles vão ser desviados para ajudar à recuperação turca e Portugal vai ter de passar a gerar mais receitas para manter a actual situação económica. Ora, Portugal não tem uma indústria desenvolvida, e por isso vai ter a Turquia como concorrente directa. E não nos podemos esquecer que a Turquia tem uma mão-de-obra muito mais barata e em muito maior número. Por isso, parece-me um erro para Portugal estar a apoiar esta adesão.

Então, no fundo, Portugal está a dar um tiro no próprio pé ao apoiar a Turquia

Não, simplesmente porque a razão deste apoio é a pressão que o governo norte-americano faz sobre o governo português. E a aliança com os Estados Unidos é uma coisa muito importante e muito séria para Portugal. Por isso, Portugal vai ter de engolir um sapo pouco agradável para depois ser compensado pelo apoio demonstrado ao governo norte-americano. Não há aqui uma situação ideal!

Como será a Europa daqui a 20 anos em termos de politicas e relações internacionais, com a Turquia como estado-membro?

Se houver uma Federação Europeia e se for liderada pelo pensamento actual de relações multi-laterais, a Europa seria quem teria mais condições de mandar no Mundo. A União seria a maior força económica mundial, e a Federação faria da Europa a maior força militar e política do Mundo, talvez apenas comparada com a China. Se a Europa for uma verdadeira Federação, com a Turquia e mais outros estados-membros, depois de resolvidos problemas como os do Kosovo, isto poderia significar que finalmente haveria paz no mundo, uma paz verdadeira que nunca tivemos. Mas isso é o futuro e prever o futuro é sempre muito difícil.

Miguel Lourenço Pereira