Recorda-se onde estava no momento em que se deram as explosões?
No momento das explosões, por volta das 7h30, estava em casa, nas imediações de Madrid, à espera do transporte da Guarda Civil que nos levava para a cidade, onde estava a tirar uma formação. O local onde estava a tirar o curso, esse sim ficava perto da estação de Atocha, a cerca de 200 metros.

Então não teve conhecimento imediato do atentado?
Enquanto estava à espera tinha a televisão ligada e o atentado já estava a ser noticiado em todos os canais espanhóis. Mas na altura ainda não sabia muito bem o que é que se tinha passado. Havia uma grande confusão de informação porque ainda não se estava a associar que as explosões tinham acontecido todas com o mesmo objectivo. Estavam a noticiar que tinha havido uma explosão, que não se sabia como nem porquê, que havia pessoa feridas…Mas entretanto estavam a acontecer outras explosões e ainda não estavam a ser noticiadas. Só percebi o que realmente se passava quando a pessoa que me veio buscar, que era da Guarda Civil, me explicou que tinha havido um ataque terrorista.

Quando chegou a Madrid o que é que viu?
Estava uma grande confusão: era ambulâncias, carros de bombeiros por todo o lado, um grande aparato policial. Depois quando cheguei ao local com os técnicos de desactivação de explosivos, com quem estava a receber formação, vi muitas pessoas feridas. Um cenário um bocado indigno de se ver. Uma coisa que me chamou a atenção foi o trabalho da Protecção Civil. No meio daquela confusão toda conseguia-se, de facto, perceber que a Protecção Civil espanhola é de uma dimensão completamente diferente da nossa, funciona a sério. Foi, aliás, graças à sua capacidade que os danos foram minimizados.

Depois do primeiro impacto, como foi vivido o resto do dia em Madrid?
Durante o dia continuou, como é óbvio, a confusão e o pânico. Lembro-me que à noite estava tudo fehado em Madrid: discotecas, bares, restaurantes. Isso notou-se muito porque Madrid é uma cidade onde normalmente está tudo aberto e onde há pessoas na rua até de madrugada. Nos dias seguintes houve uma grande mobilização e solidariedade das pessoas que criaram, inclusivé, um lacinho preto para colocar em todas as lojas em homenagem às vítimas. Achei incrível como os espanhóis se aliaram todos àquela causa.

As autoridades espanholas atribuíram de imediato os atentados à ETA. Pela sua experiência na Guarda Civil, e nomeadamente na desactivação de explosivos, foi também essa a sua primeira suspeita?
De facto, as primeiras declarações das estações públicas de televisão e rádio apontavam a ETA. Mas na Guarda Civil espanhola estávamos perfeitamente convencidos que aquilo não tinha nada a ver com a ETA, não só porque a ETA tem o hábito de avisar, mas também pela própria forma como tudo aquilo estava organizado.

E mesmo depois da Al Qaeda reivindicar o atentado, o governo de Aznar continuou a acusar a ETA o que levou a uma reviravolta nas eleições feitas quatro dias depois.
E penso que foi perfeitamente compreensível. Houve nitidamente uma tentativa de esconder a verdade dos factos porque não interessava em altura de eleições estar a falar que a Al Qaeda ou outra organização terrorista internacional estava a actuar em Espanha. Por isso, é compreensível que os espanhóis tenham sancionado o governo de Aznar.

Hoje, um ano depois, o governo preparou uma homenagem que a associação das vítimas contestou, afirmando que ali havia interesses partidários. Considera que essa contestação se justifica?
Não. Penso que os espanhóis estão todos demasiado ligados ao que aconteceu e, portanto, esta homenagem não é só uma decisão política. Provavelmente se o governo não tomasse a iniciativa de organizar nada, a associação das vítimas acusava-o de não se importar com as vítimas do 11 de Março.

Depois do atentado, vários países procuraram melhorar as capacidades de resposta a situações como esta. No caso de Portugal, acha que temos essas capacidades?
Por muito boas que sejam as capacidades de um país neste tipo de coisas, atentados organizados desta maneira não podem ser evitados. Ou há uma organização da informação muito bem feita ou então é muito complicado. Se acontecesse em Portugal, em termos de preparação das polícias, nomeadamente na verificação e desactivação de explosivos, com certeza que estamos preparados. Agora no que diz respeito à Protecção Civil, ao trabalho dos bombeiros, do socorro, à capacidade de fazer de qualquer tenda um hospital, se calhar já não consequiriamos dar as respostas necessárias.

Andreia Barbosa