O estudo “Doentes em risco nutricional” apresentado num congresso científico realizado pela Faculdade de Ciências da Nutrição do Porto revela números alarmantes que, como adianta Paulo Machado ao Jornal de Notícias (JN), podem ainda ser mais elevados, “porque é uma doença que afecta mulheres com idade superior às que foram envolvidas no estudo”.

Paulo Machado, docente da Universidade do Minho, foi o responsável pelo estudo que envolveu duas mil mulheres com idades entre os 15 e os 20 anos, onde foram detectados oito casos de anorexia nervosa e seis de bulimia nervosa.

Doenças da moda, a anorexia e a bulimia nervosas, são cada vez mais acentuadas nos países desenvolvidos, onde o culto do corpo se espelha nos mais variados sectores da sociedade.

Com o crescimento destas doenças um pouco por todo o país, a criação de serviços hospitalares dedicados a este tipo de problemas é uma necessidade para a saúde pública. Como adianta Joana Saraiva, do departamento de Pedopsiquiatria do Hospital Maria Pia, “o número de casos de bulimia e anorexia tem-se mantido constante ao longo do tempo”, mas admite receberem “mais casos porque as pessoas estão mais atentas porque, quer a nível da escola, quer a nível dos médicos de família. “Há um diagnóstico mais precoce e eles são-nos enviados mais cedo”, diz.

O tempo pode ser um factor decisivo para estes doentes. Um diagnóstico mais precoce e a tomada de consciência por parte do doente o mais cedo possível são fundamentais para a cura. Uma cura que “passa pela pessoa deixar de estar tão centrada no corpo, começar a crescer, tornar-se independente e ter uma vida própria”, como revela a pedopsiquiatra, “no fundo aceitar a problemática da adolescência”.

Um problema de saúde pública

A bulimia nervosa é um desiquilíbrio alimentar psicológico, caracterizado por uma ingestão compulsiva de alimentos seguida do vómito forçado, do uso excessivo de laxantes e diuréticos ou excesso de exercício físico. A bulimia, que apenas foi diagnosticada nos anos 80, atinge doentes que muito dificilmente se revelam, pessoas aparentemente normais que se entregam a uma vida subterrânea, a uma normalidade aparente.

Já a anorexia nervosa é um distúrbio alimentar onde as pessoas se privam da comida. A anorexia, ao contrário da bulimia, é uma doença visível ao mais desatento. A magreza excessiva e a desnutrição saltam à vista.

Por entre estas duas doenças perpassam, na maioria das vezes, pessoas diferentes. “Há mais casos de bulimia, mas como o nosso serviço só atende doentes até aos 18 anos acabámos por ter mais anorécticos, que é uma perturbação fundamentalmente adolescente”, diz Joana Saraiva. Na verdade, a bulimia está mais ligada a uma faixa etária pós-adolescente.

Tanto a bulimia nervosa como a anorexia nervosa são fenómenos da sociedade moderna e dos valores estéticos que a orientam. Contudo, perquisas mais recentes não deixam de considerar a importância do factor genético. Como adianta Joana Saraiva, “em famílias onde os gémeos são idênticos há uma maior incidência da doença”. Mas se é verdade que os factores genéticos são uma realidade, estes distúrbios alimentares são, fundamentalmente, resultado de vários factores: “Não é só genético mas também social”.

Um porto de abrigo

Se a família pode ser um foco do problema, pode ser também parte da solução.
Foi com este objectivo que surgiu a Associação dos Familiares e Amigos dos Anorécticos e Bulímicos (AFAAB), que tem como objectivos dar apoio e defender os direitos destes doentes.

Adelaide Braga pertence à AFAAB. Viveu na pele a anorexia da filha. Hoje fala em nome de uma doença que “é vivida com muito sofrimento pelas famílias porque ainda não é muito bem entendida”, confessa.

Um sofrimento que muitas vezes se reflecte em complexos dramas familiares, onde a segregação da doença por parte dos doentes e a preocupação por parte da família desenham um equilíbrio frágil. “Enquanto mãe, na altura em que a minha filha esteve doente não conhecia os recursos e tive que desbravar o terreno. Agora a associação traça o percurso”, diz. Um percurso que procura encaminhar os doentes para médicos competentes, principalmente na psiquiatria.

Apesar de hoje em dia a bulimia e a anorexia nervosas serem encarados como verdadeiros problemas de saúde pública, o número de especialistas nesta área é uma das deficiências do sistema. Como conclui a pedopsiquiatra Joana Saraiva, “há uma necessidade de mais serviços nesta especialidade”. Uma urgência que se justifica pelo crescimento da doença em Portugal e em todo o mundo.

Mariana Teixeira