Uma das formas mais expressivas de manifestação da tradição académica é a Monumental Serenata, realizada agora por motivos de segurança, na Cadeia da Relação, depois de ter decorrido durante muitos anos na escadaria da Sé do Porto. No entanto, ao badalar da meia-noite, quando os primeiros acordes soarem, todos os presentes saberão que as únicas vozes que irão ouvir entoando a letra triste do fado serão masculinas.

“O fado, canção de Coimbra, não foi feito para mulheres, foi feito para homens”. Quem o diz é o “Dux Veteranorum” da Academia do Porto, Américo Martins, que defende que o fado coimbrão sempre foi e deve continuar a ser cantado por homens e não por mulheres. O facto encontra a sua explicação nas origens da própria serenata.

De origem medieval, a serenata ganhou o seu cariz académico no meio estudantil de Coimbra, sendo depois adaptada por outros meios académicos. A serenata distinguia-se por ser uma manifestação amorosa da parte de um estudante em relação a uma tricana, que exige diversas regras de comportamento, como por exemplo o facto de a amada nunca se mostrar à janela, apenas se manifestando através do acender e apagar da luz três vezes no caso de pretender aceitar a homenagem oferecida.

“Cada um tem uma função diferente, nós somos diferentes”, defende o “Dux Veteranorum” reconhecendo, no entanto, que “é uma atitude machista do século passado” e afirma: “Os fados e as serenatas são coisas de homens”.

Américo Martins defende que é antinatural as mulheres fazerem serenatas aos homens, uma vez que não era assim que se acontecia no passado mas, precisamente o contrário. Permitir que as mulheres cantem o fado coimbrão “seria inverter os papéis do macho e da fêmea; se as fêmeas fossem fazer serenatas aos homens onde é que íamos chegar?”, questiona o veterano.

Também a maioria das mulheres que se sentem integradas na tradição académica, nomeadamente por meio da participação em tunas femininas, parecem defender a opinião de que as mulheres não devem cantar este tipo de fado. “O fado académico sempre foi tradicionalmente cantado por homens, portanto acho que deve ser mantida a tradição”, diz a orfeanista integrada no Orfeão Universitário do Porto (OUP), Marta Dinis, explicando que “o fado académico não teria o mesmo significado”.

A mesma opinião tem a igualmente orfeanista da OUP e estudante da FLUP, Ana Almeida, apesar de acrescentar que “as mulheres devem pelo menos poder tocá-lo”.

No entanto, há ainda algumas vozes femininas discordantes. Marta Rodrigues, aluna do curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação, afirma que “com o evoluir do tempo isso deve acontecer”, lembrando que “inicialmente as tunas também eram compostas exclusivamente por homens, [mas que] depois vieram as femininas e as mistas” e que “há mulheres com boas vozes a cantar outros tipos de fado”.

Monumental Serenata no Domingo

Quando no próximo domingo os relógios indicarem as 00h01, a Queima das Fitas do Porto de 2005 estará oficialmente aberta. Como é tradição, a Monumental Serenata, realizada na Cadeia da Relação, dará o mote para o início dos festejos que se realizam até 8 de Maio. Na edição deste ano são convidados a “cortejar a cidade” os grupos de fado do OUP, Universidade Católica, ISEP e FEUP, prevendo-se a afluência de cerca de 7.500 pessoas.

Daniel Brandão