Tinha apenas 23 anos quando decidiu pôr uma corda ao pescoço e acabar com a vida. Poeta mais do que músico, génio para muitos, Ian Curtis escreveu numa carta, pouco antes de se suicidar, “já não aguento mais”. Há quem diga que viveu demasiado em pouco tempo, pensou demais e ascendeu a figura de culto demasiado depressa. Fizeram-se inúmeras especulações sobre a sua morte, sem chegar a nenhuma conclusão. Ian Curtis era uma figura demasiado complexa para ser percebida como as outras.

Os Joy Division, criados na cidade de Manchester, no frio Norte de Inglaterra, nasceram do pó dos bairros de tijolo vermelho e depressa se tornaram muito mais do que mais uma banda punk do final dos anos setenta. Ian Curtis não temia a depressão, enfrentava-a e ao mesmo tempo acarinhava-a nas suas letras duras. “Attrocity exhibition” ou “Love will tear us apart” são exemplos disso. Esta última canção tornou-se o maior êxito comercial de uma banda que permaneceu obscura, mesmo quando o seu som chegou aos sempre difíceis de conquistar americanos.

Musicalmente, Bernard Sumner e Peter Hook, mais tarde pioneiros do electro pop dos anos 80 com os New Order, criavam ambientes simples, básicos para alguns, mas defendendo-se dessa acusação na evidência de que nem sempre é preciso complicar para criar grandes melodias.

Perseguido pela epilepsia quase tanto como pelos problemas que o deixavam horas a pensar, Curtis ficou associado, em palco, a uma dança estranha, obstinada, de movimentos bruscos dos braços e das pernas, em espectáculos de luzes quase apagadas devido à sua doença. Sobre a epilepsia, Ian Curtis admitia ficar horas sentado na cama, à espera dos ataques, para depois poder dormir. Talvez Curtis sofresse também de uma certa epilepsia psicológica, que lhe ditava as frases em espasmos, tendo como resultado poemas duros, tristes, inesquecíveis.

O cinema

Já em “24 hour party people”, de Michael Winterbottom, o vocalista surgia interpretado por Sean Harris, no filme que conta a mítica história da Factory, espécie de editora e fábrica de talentos responsável pelo aparecimento dos Joy Division, mas também dos Stone Roses, dos Happy Mondays ou dos New Order. Agora, Anton Corbjin, fotógrafo e realizador que chegou a trabalhar com a banda, propõe-se realizar um filme sobre a vida e a obra de Ian Curtis. Ainda não se sabe quem interpretará o polémico cantor. Fala-se em Jude Law, mas também em Sean Harris, que repetiria o papel de “24 hour party people”.

A nova ordem que surgiu das cinzas

Após a morte de Ian Curtis, os ex-membros dos Joy Division continuaram juntos num projecto que viria a revelar-se importantíssimo no desenvolvimento da música electrónica. No início da década de oitenta, começavam a ouvir-se os primeiros sons dos New Order, responsáveis por hinos como “Blue Monday” ou “True Faith”. Bernard Sumner, que nos Joy Division era guitarrista, assumia sem complexos o papel de vocalista, nunca atingindo a genialidade de Ian Curtis, mas também nunca a procurando. Os New Order vêm a Portugal no próximo dia 28, ao Super Bock Super Rock e devem honrar Ian Curtis com as habituais revisitações de “hits” dos Joy Division.

Carlos Luís Ramalhão
Foto: wikipedia