O Processo de Bolonha levou a Escola de Direito da Universidade Católica, no Porto, a repensar o perfil dos juristas. É a primeira no “ranking” das faculdades de direito portuguesas.
Maior peso da oralidade e da investigação na avaliação, bem como integração de disciplinas optativas de outras faculdades da Católica no percurso dos estudantes são apostas do director Azeredo Lopes, que tomou posse em Junho.

Que mudanças estão a ser feitas na faculdade de Direito?

As mudanças fundamentais começaram a ser planeadas e executadas há três anos e meio. A Faculdade de Direito (FD) entendeu que era inevitável a mudança e que o processo de Bolonha, na altura ainda muito abstracto, valia a pena e que valia a pena perguntarmo-nos de que forma estavamos a ensinar direito e a formar juristas nesta faculdade.

A que conclusões chegaram?

A FD criou uma equipa que analisou dezenas de cursos europeus e concluiu que havia uma diferença enorme entre o ensino de direito em Portugal e no plano europeu. Mesmo antes de Bolonha, já se tinha percebido que o ensino magistral não era o modelo seguido em muitos casos e que o nosso sistema de ensino tinha uma carga horária muito elevada. Percebeu-se que a transmissão de conteúdos teóricos é totalmente diferente do que era há cinco anos atrás. A primeira alteração foi apontar para o modelo de aula teórico-prática.

Isso obriga a que os alunos frequentem as aulas…

Se o estudante quiser, quando chega a exame, já tem pelo menos 50% da nota. A nota do exame final como uma grande luta desapareceu. Procuramos acentuar junto do aluno a ideia que está a construir a própria nota. Isto dificulta a lógica do estudante que não põe os pés nas aulas. O estudante tem que ver as vantagens das participações nas aulas e de construir uma nota. Percebemos que era consagrado um tempo inacreditável à avaliação e que era muito importante reforçar a componente de aulas. Hoje temos 26 semanas efectivas de aulas.

A maior presença dos alunos nas aulas exigirá alterações?

Exige turmas mais pequenas. No próximo ano, em princípio, já nenhuma cadeira terá mais que 40 alunos na sala. Isto implica que cada professor fique responsável por uma turma, o que melhora a relação professor-aluno.

Exige também um aumento do número de pessoal docente.

Já exigiu. Exige uma coordenação muito clara e permite ao aluno o direito de escolha. A partir do próximo ano, o aluno pode escolher a turma em que vai ficar. Temos aumentado a cooperação através do sítio da disciplina, no “site” da Católica, onde cada professor pode pôr casos práticos, trabalhos a realizar, fazer um fórum com os estudantes sobre determinado tema. Isto exige também um acesso muito mais precoce à informação da aula, para que o estudo não seja reactivo, mas antecipatório. Isto foi lançado há três anos, esperamos que em dois anos esteja pronto.

Há também o interesse de alargar a formação não jurídica?

Sim. Queremos acentuar aquilo que não queremos perder – uma sólida formação jurídica-, mas também destacar qualificações diferentes que não tinham. Hoje, o aluno tem que, até ao ciclo de especialização, demonstrar que tem conhecimentos de inglês.

Para além do inglês, os alunos vão poder escolher disciplinas optativas de outras faculdades da Católica do Porto.

São as disciplinas instrumentais não jurídicas. É um cliché, mas quem só sabe de Direito nem Direito sabe. O aluno tem que escolher outro tipo de créditos de disciplinas não jurídicas. São cadeiras que enriquecem a sua formação, o aluno ganha uma plasticidade na construção da sua licenciatura. Isto implica mais responsabilização também. Em alguns casos, em pessoas que estavam penosamente a fazer o curso, isto deu-lhes um grande empenho para o estudo.

Outra novidade é também a aposta nos seminários. Em que é consistem?

Um seminário corresponde a meia cadeira semestral e 15 horas de ensino sobre temas. Para o ano, por exemplo, temos um seminário dado pela Deco sobre consumo. Vamos ter outro sobre direito dos refugiados que vai ser dada pelo Conselho Português para os Refugiados. A faculdade percebeu que não pode ter especialistas em tudo. O aluno pode escolher diferentes propostas. A faculdade tem apostado muito em seminários, orais interdisciplinares e num leque muito largo de disciplinas optativas gerais, assim como num trabalho de investigação orientada.

Os seminários têm como objectivo responder mais rapidamente às mudanças no campo do direito e outros, face ao ritmo mais lento das mudanças curriculares?

É exactamente isso. Permite uma resposta muito mais ágil, muito menos institucional. É uma das maiores apostas para o próximo ano.

Este ano foi o primeiro ano em que houve orais interdisciplinares. A oralidade estava a ser descuidada?

Quando uma pessoa vai para uma oral porque tirou 7 ou 8 num exame e precisa desesperadamente de passar, não percebo em que é isso vai desenvolver a oralidade. A oralidade desempenha um papel fundamental nas profissões jurídicas. O aluno não sai licenciado pela Católica se não fizer uma oral interdisciplinar em direito público, direito privado e direito penal. Tem tempo para desenvolver a capacidade de exposição, a gestão do tempo, a inteligência na abordagem da questão. Ao mesmo tempo que está a fazer isto, está a estudar.

O que é que falta para concretizar Bolonha na FD?

Estamos preparados para numa semana passarmos para o regime de Bolonha. O nosso curso está pensado para cinco anos, mas já é possível fazer em quatro anos. Já há pessoas que conseguiram ganhar um semestre e fizeram o curso em quatro anos e meio. O nosso curso está muitíssimo melhor do que estava, mas ainda não fui dado o tal salto, que posso garantir que vai ser dado.

Como está organizado hoje o curso?

O curso actualmente está estruturado segundo três linhas fundamentais: é um curso bietápico, com um tronco comum de três anos e um ciclo de especialização de dois anos; as disciplinas passam a ter uma carga horária variada; e o sistema passa a ser organizado segundo o sistema de créditos europeus (ECTS). Os licenciados já saem com o sistema de créditos. Mal lançámos a grande reforma, aplicámo-la a todos os estudantes. Foi uma fase difícil, mas achámos que era fundamental para não haver uma espécie de duas faculdades ao mesmo tempo.

A fase do emprego fácil e bem remunerado para todos os licenciados em Direito chegou ao fim. Que papel têm as faculdades face a esta nova realidade de mercado?

O mercado hoje é de empregabilidade mais difícil. Estamos a assistir a uma diversificação acelerada das profissões jurídicas. A faculdade não é uma agência de empregos, mas pode através de protocolos celebrar acordos para estágios pré ou pós licenciaturas. Temos alguns com autarquias.

Texto e foto: Pedro Rios