“Chega de Saudade” é o novo álbum de Melo D, um angolano que chegou a Portugal com três anos e que passou pelos influentes Cool Hipnoise.

O seu segundo disco a solo de Melo D, com edição conjunta Dikanza (a nova editora de Melo) e da Enchufada, revela um músico à procura da síntese “afro-portuguesa-brasileira”.

Há funk, há bossa nova, há menos hip hop do que em “Outro Universo” (2003) e há um sentido pop mais apurado e assumido. Em entrevista ao JPN, Melo D assume que quer “agradar a um número mais vasto de pessoas”. Por isso, no concerto de sexta-feira, às 23h00, na Casa da Música, no Porto, a sua Good Vibes Band vai também passar por velhos temas dos Cool Hipnoise.

Numa noite dedicada à Enchufada, há também concertos dos cúmplices 1-Uik Project, Fusionlab e o DJ Rui Murka, todos eles actores na nova música lisboeta, mestiça como a cidade.

Sábado há mais hip hop na Casa da Música, com performances dos DJ Loop:Diggaz, Nel’Assassin, Bomberjack e de Black Mastah, NBC, Rodney P e Mind da Gap.

Já definiu “Chega de Saudade” como um disco “afro-português-brasileiro”. A definição assenta bem?

Há alguns temas em que isso é óbvio e outros em que não pensámos tanto nisso. O teclista tem a escola da bossa nova e as cores desse tipo de som estão presentes no disco. Tenho dupla nacionalidade, sou angolano e português ao mesmo tempo e isso também está presente.

Este disco é mais orgânico, menos hip hop e maquinal. Que diferenças aponta entre “Chega de Saudade” e “Outro Universo”?

O “Outro Universo” é um disco mais cru, mais feito à flor da pele. Era suposto ser um primeiro passo, um revoltar-se [meu], por assim dizer. Este disco, apesar de ter sido feito em menos de metade de tempo, pretende ser um segundo passo, com um som mais limpo, uma produção mais cuidada, mais pormenores, arranjos melhores e feitos com outro espírito, de alguém que quer entrar na indústria, que vive disto. Um disco coerente, mas também recheado de boas canções que possam agradar a um número mais vasto de pessoas.

Um disco assumidamente mais pop?

Sim, definitivamente, mas sempre com bom gosto. Acho que ainda tem a ver com o primeiro. A diferença é que é muito mais orgânico e arranjado e tem a ver com o som que a Good Vibes Band tem ao vivo.

“Chega de Saudade” tem alguns convidados que são seus amigos, como Kalaf (1-Uik Project, Cooltrain Crew, Spaceboys e Bulllet) ou o produtor Lil’ John (João Barbosa, também da Cooltrain Crew). Como foi o processo de gravação do álbum?

Foi natural. Estamos juntos muitas vezes, a conversar e a pensar juntos. Este disco surgiu numa dessas conversas. Queria montar a minha ‘label’ [editora], a Dikanza. Eles [Kalaf, Lil’ John e Rui Murka] tinham a deles, a Enchufada, mais estruturada. É uma edição conjunta. Numa primeira fase, fiz as coisas sozinho com a Good Vibes Band e numa segunda fizemos algumas coisas no estúdio na Enchufada com o Lil’ John, que também contribuiu com alguns pormenores interessantes para alguns temas.

Projectos como os 1-Uik Project, Spaceboys, Cool Hipnoise, que estão de regresso, parecem configurar uma cena mestiça lisboeta forte, muito aberta a contaminações de géneros e de ‘backgrounds’ pessoais. Concorda?

É mesmo óbvio. Está tudo mais próximo. Encontramo-nos nas noites e, por isso, é mesmo natural que aconteçam essas contaminações. São pessoas que conseguem falar na mesma linguagem, que têm amizades, objectivos e gostos em comum.

E há estruturas – editoras e espaços – como as Loop e a Enchufada e o Clube Mercado, que não existiam há uns anos atrás…

São espaços criados por nós. As pessoas não estão à espera que as coisas aconteçam; fazem força para isso. O Mercado tem funcionado muito nesse sentido. Há concertos ao vivo de bandas hip hop “underground”. É uma cena que já parece estar instalada.

O disco afasta-se da matriz hip hop da estreia. Quis-se afastar desse universo?

Quase não tem nada a ver com o hip hop mesmo. Foi intencional. Há temas em que se nota uma conjugação de dois universos: o meu, do hip hop e do r’n’b, com o do Lil’ John, que é mais da electrónica. Há temas como “Se” que se nota o trabalho de banda que foi sacado no primeiro estúdio onde estivemos.
Alguns temas hip hop resultaram, mas fazia falta canções. Estava numa fase em que estava a ouvir uma série de outras coisas e queria fazer um disco diferente. Daí surgir com um som e uma postura diferentes, que não invalida a necessidade de fazer um hip hop mais tarde.

O “single” “Música” parte da tradicional crítica social do hip hop, mas revela-se optimista. Afirma que até a crise que o país atravessa tem música…

Quis fazer uma canção pop com algumas opiniões, mas servidas de uma forma mais descontraída. Há alguma poesia que me tem inspirado, como a do Pablo Neruda, para além da proximidade com o mar, que torna as coisas mais leves.

Em “Outro Universo”, quis-se afastar do som dos Cool Hipnoise?

O outro disco foi um cartão de visita, um BI a dizer ‘O Melo D está de volta’. Este é uma continuação, já é suposto soar mais pensado.

Tem tocado temas de Cool Hipnoise ao vivo, coisa que não fazia há alguns anos. Porquê agora?

Por uma razão muito simples: toda a gente o faz. E também é bom comercialmente. Lá fora não é novidade nenhuma. Aqui, de início pode causar estranheza a algumas pessoas.

Pedro Rios
Foto: DR