Estão em discussão pública as propostas para a alteração do Estatuto do Jornalista e para a criação da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC).

O JPN falou com o ministro dos Assuntos Parlamentares, Augusto Santos Silva, à margem da abertura oficial do ano lectivo do curso de Jornalismo e Ciências da Comunicação da Universidade do Porto, ontem, sexta-feira.

O responsável do Governo pelos assuntos da comunicação social garante que a ERC deverá estar completa até ao fim do ano.

Qual a justificação para que se altere o Estatuto do Jornalista?

Há três razões fundamentais: em primeiro lugar, no actual estatuto, a definição do que é o direito ao sigilo profissional despertou algumas ambiguidades, que aliás tiveram, tradução judicial, visto que um jornalista [José Luís Manso Preto do semanário “Expresso”] foi condenado em tribunal por se ter recusado a revelar as suas fontes num processo judicial. Achámos que era importante clarificar qual é o alcance e os limites do sigilo profissional dos jornalistas. A proposta que fazemos é que o sigilo profissional dos jornalistas só possa ser quebrado à ordem de um tribunal, naturalmente, para efeitos de investigação de crimes contra a vida, a integridade ou a segurança do Estado, quando essa investigação não se puder fazer de outra forma.
A segunda razão fundamental era relativa a algumas ambiguidades na activação da cláusula de consciência, visto que a recente revisão do código laboral trouxe algumas incertezas sobre a forma como a cláusula de consciência podia ser usada.
A terceira razão tem como objectivo reparar um défice que hoje há no Estatuto dos Jornalistas que é o de o Estatuto prever deveres profissionais dos jornalistas, mas o incumprimento eventual desses deveres não estar sancionado.

O artigo número 14 da alteração ao estatuto refere que o jornalista tem como dever “não exercer a sua actividade profissional por forma a favorecer ou prejudicar pessoas, entidades, instituições, empresas ou iniciativas em relação às quais tenham interesse, dependência ou conflito pessoal”. De que forma é que a relação entre jornalista e entidade patronal se insere aqui?

Não é esse o caso. Um dos direitos dos jornalistas, que aliás é um direito constitucional, é o direito à independência. O jornalista tem que ser independente e isento. E, portanto, quando os jornalistas noticiam sobre casos em que pode haver conflito de interesses essa independência está prejudicada. Se um jornalista tem uma relação extra-profissional a uma empresa, imagine, de electrodomésticos, convém que não seja esse jornalista a reportar coisas sobre essa empresa. É esse tipo de dever que o código deontológico já prevê e que agora é transposto para lei.

Porquê que se extinguiu na nova versão do Estatuto a Comissão de Apelo?

Porque a experiência tem mostrado que o nível de litigiosidade em torno das decisões da Comissão da Carteira é muito baixo. O número de decisões que motivaram um apelo para a Comissão de Apelo é bastante diminuto nos últimos anos. Por outro lado, entendemos que a atribuição de novas competências à Comissão da Carteira, designadamente competências de natureza disciplinar, aconselhariam um aumento do número de membros dessa Comissão, e assim propomos que de sete passem a nove. E, em consequência, parece-nos, também, menos necessária a existência da Comissão de Apelo.

Tem-se referido muito à auto-regulação dentro da profissão pelos próprios profissionais. De que forma é que se pode incentivar essa auto-regulação?

Todo o articulado do nosso projecto obedece ao princípio da auto-regulação profissional, visto que a instância decisória, a Comissão da Carteira, é constituída por jornalistas eleitos pelos jornalistas, jornalistas designados pelos meios de comunicação social, e pela presença de um magistrado judicial ou um jurista. Esta é uma lógica de auto-regulação profissional. Essa não é a única modalidade de auto-regulação profissional.
Nós valorizamos muito outra forma muito importante de auto-regulação, que é a existência de provedores – do leitor, do ouvinte ou do telespectador – e achamos que o melhor incentivo que podia ser dado à generalização das provedorias a partir das políticas públicas era tornar obrigatória a existência de provedores do ouvinte no serviço público de rádio e provedor do telespectador no serviço público de televisão. Fizémos uma proposta nesse sentido ao Parlamento, que já foi aprovada na generalidade e está agora em discussão na especialidade.
Outras formas de auto-regulação são aquelas em que estão envolvidas as próprias empresas de comunicação social. A Confederação de Meios está a trabalhar activamente no que chama as bases programáticas da auto-regulação, e isso parece-me muito importante. Um último exemplo é a auto-regulação das estações de televisão. Há um protocolo em vigor entre a RTP, a SIC e a TVI, que consagra novas obrigações, designadamente em matéria de ética de antena a todas essas estações e o desenvolvimento desse protocolo tem sido acompanhado por um perito independente, o professor Azeredo Lopes da Universidade Católica do Porto, que tem feito chegar informações muito positivas acerca desse desenvolvimento.

Tiago Dias
Foto: Ricardo Fortunato