Ponto prévio: qualquer semelhança entre Lou Barlow e Eduardo Madeira é puro delírio do autor desta prosa. Vade retro… Mas conta a sabedoria popular que “quem não quer ser lobo não lhe veste a pele” e que o cantautor norte-americano abusou, lá isso abusou. E se no prólogo os intervalos entre as músicas se tornavam momentos confrangedores e vazios, a verdade é que o passar dos minutos (e dos copos de whiskey, diga-se) transformou um Lou Barlow envergonhado num artista de “stand-up comedy”.

De tal modo que, a certa altura, generalizou-se a dúvida: era o músico que contava piadas ou era o comediante que até sabia cantar? E lá surgia na mente um tipo gordo, de viola ao peito, passos desconjuntados, feições estúpidas e gargalhadas à desenhos-animados. Vade retro…

Em estreia a solo em Portugal, Lou Barlow soube ler a circunstância. Investiu no “one-man show” e adequou-se à dimensão da casa. Não teve, todavia, uma actuação livre de reparos. Obviamente limitado na recriação dos cenários que passeiam pela sua discografia individual, o ex-Sebadoh teve mais olhos que barriga nos momentos iniciais, o que redundou numa congestão que o deixou a chá e bolachas de água e sal.

Por um lado, porque abusou do microfone “lo-fi”, arma que resulta muito eficaz num disco como “Emoh”, mas que ao vivo se revelou, pior do que acessória, fonte de ruído. Sobretudo quando a voz de Lou Barlow saía naturalmente límpida e envolvente. Uma má escolha à qual se devem juntar reparos relativos ao sintetizador, esse sim acessório, sobretudo porque colocado num ponto que impedia a sua conjugação com a voz.

A actuação viveu instrumentalmente da guitarra (duas na verdade, uma de quatro cordas, ou não tivesse Lou Barlow um passado como baixista) e da vontade do público. O espaço permitia-o e o “songwriter” fez uma sessão de discos pedidos: ganhou a plateia, mas correu a corda bamba de quem se passeia por temas de difícil adaptação ao contexto muito típico d´O Meu Mercedes.

“Home”, porventura a melhor faixa do mais recente trabalho da discografia do veterano, foi o exemplo de como a teoria nem sempre se repercute. Desafinada, sem o fulgor da percussão a duas pistas da versão original, foi um devaneio isolado numa noite de acerto.

Perante uma plateia de revivalistas, o concerto redundou numa “Sebadoh night”, com óbvias analogias ao dia da semana. E, onde quer que estivesse, Bruce Springsteen ficou certamente de orelhas a arder. Não é que Lou Barlow elegeu “The Boss” como o alvo de uma sátira humorística ao culto do vedetismo?

Duas horas depois da meia-noite, Lou Barlow terminava uma actuação nostálgica, com muito mais passado do que presente e com uma única janela para um futuro que não se prevê de corte. E lá se ficou, sentado à entrada do palco onde, por minutos, vagueou entre Eduardo Madeira e Bruce Springsteen. Vade retro…

André Viana
Foto: DR