Dois candidatos em campos completamente opostos. Ficou assim confirmada, esta sexta-feira à noite, a distância existente entre o candidato à Presidência da República apoiado pelo PSD e pelo PP, Cavaco Silva, e o candidato do Bloco de Esquerda (BE), Francisco Louçã.

No terceiro debate entre candidatos presidenciais apoiados por partidos com assento parlamentar, Francisco Louçã e Cavaco Silva deram poucos sinais de concordância e raramente transformaram o sistema de “entrevista paralela” em debate propriamente dito. Os dois economistas fizeram questão de realçar a sua formação, o que deu origem a trocas de números e de perspectivas técnicas.

O líder do BE fez questão de, em todas as oportunidades que teve, relembrar os telespectadores do debate vários pontos negativos dos dez anos em que Cavaco Silva foi primeiro-ministro. Por seu lado, o social-democrata procurou sempre responder à letra ao seu oponente.

Louçã começou cedo a atacar Cavaco, acusando-o de ter sido o responsável por hoje Portugal estar tão atrasado face à União Europeia, já que “beneficiou de uma oportunidade extraordinária e fracassou” e recordou que durante os 10 anos de governação de Cavaco Silva a média do défice orçamental foi de 5,7%.

O ex-primeiro-ministro fez questão de responder que “não se encontra outro período de 10 anos em que as pensões de reforma tenham tido uma subida real de 8%” como o período em que chefiou o Governo.

O candidato apoiado pelo PSD e pelo PP afirmou ainda que “a razão [pela qual Portugal se encontra atrasado] está muito bem identificada”, dado que “Portugal não foi capaz de gerir bem a sua presença dentro da União Europeia”.

Cavaco Silva estabeleceu aquelas que considera serem as três prioridades actuais para Portugal: qualificação de recursos humanos, o reforço da capacidade competitiva das empresas e a qualidade do sistema político.

Ota e TGV

Quando questionados sobre a validade de projectos como o comboio de alta-velocidade, TGV, e a construção do aeroporto da Ota, as opiniões voltaram a dividir-se. Francisco Louçã foi claro quando explicou que “não se pode desenvolver o país a partir da construção civil” e afirmou que num projecto como o TGV “é um disparate” ter ramais de 50 em 50 quilómetros.

Cavaco Silva, por outro lado, apesar de não ter dado uma resposta concreta, clarificou que o país está bem fornecido em termos de ferrovias e constatou que “o campo de manobra do Presidente da República já está limitado”, comprometendo-se, no entanto, a se for eleito, “exigir muita transparência” e estudos complementares.

Um dos momentos mais complexos do debate surgiu com a questão do desemprego. Louçã citou membros da Comissão de Honra de Cavaco Silva como o presidente do BPI, Fernando Ulrich, que sugeriu um corte de 10% no ordenado de todos os portugueses e outro membro da Comissão do social-democrata que terá apelado à liberalização dos despedimentos.

Quando confrontado pela moderadora do debate, Constança Cunha e Sá, sobre se é ou não a favor desta medida, Cavaco Silva fugiu à pergunta, alegando que quem pensa ser Presidente da República deve ter apenas em mente a Constituição, apesar de afirmar que “a tradição portuguesa não contempla a liberalização dos despedimentos”.

“Não tenho nada a ver com este ou aquele partido”

Outro tema económico em cima da mesa foi o da sustentabilidade da segurança social. O dirigente do Bloco mostrou-se à partida contra um aumento da idade da reforma e apresentou duas hipóteses: “ou se aumenta a idade e se privatiza os fundos de pensões” ou se assume uma dívida pública. Cavaco Silva, na sua resposta, concluiu que a primeira prioridade para sustentar a segurança social “tem de ser colocar a economia a crescer”.

Outro momento curioso do debate chegou quando se falou de imigração. Francisco Louçã afirmou ser favorável a “uma lei que siga o princípio do solo”, ou seja, que quem nasce em solo português deva ser considerado como nacional.

Cavaco Silva mostrou, como na maioria das outras questões, muito cuidado, referindo que se deve ponderar muito sobre a questão da legalização dos imigrantes e que não se pode chegar a um ponto em que a legislação permita a entrada de tantos imigrantes que cheguem a fazer com que os portugueses se sintam uma minoria. Francisco Louçã riu-se desta sugestão, afirmando que é ridículo pensar na “entrada de 10 milhões no país de um momento para o outro”.

A política externa foi o último tema discutido. Também aqui as diferenças foram profundas. Enquanto Cavaco Silva seria a favor de uma intervenção no Iraque no âmbito das Nações Unidas, Francisco Louçã rejeitou terminantemente a “ocupação”. “Há momentos da vida de um político em que tem de se elevar à altura das circunstâncias”, disse Louçã, procurando relacionar Cavaco Silva com a posição do PSD face à guerra no Iraque, da qual o partido foi a favor.

A resposta do ex-primeiro-ministro não tardou: “Eu não tenho nada a ver com este ou aquele partido. A minha candidatura é suprapartidária.”

Debate interessante, mas sem sal

Louçã raras vezes se referiu a Cavaco Silva pelo nome, preferindo tratá-lo pelo seu “adversário”, relembrando constantemente o cargo que este ocupou durante dez anos. Cavaco Silva raramente olhou para Louçã enquanto falava e só respondeu directamente ao bloquista quando era acusado de algo.

Foi um debate interessante, embora tenha enveredado por caminhos algo técnicos durante poucos momentos. De notar também a evasão constante de Cavaco às perguntas, incluindo sobre se era ou não a favor do casamento dos homossexuais, abrigando-se no argumento de que um candidato à Presidência da República não pode afirmar-se a favor ou contra, para não servir de “arma de arremesso” dos partidos.

Tiago Dias