Envolta em polémica e mistério, a morte de Slobodan Milosevic reabriu antigas feridas no seio do povo jugoslavo. A falta de certezas no que diz respeito à forma como o antigo líder sérvio foi encontrado morto e todos os contornos à volta do seu julgamento levantam suspeitas em algumas figuras ligadas àquele país dos Balcãs.

Milan Rados, especialista em assuntos da região e professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, acredita que a situação é mais complexa do que se imagina. “Esperava-se que o julgamento chegasse ao fim e houvesse uma decisão do tribunal e depois acontece esta morte. Uma morte que levanta suspeitas. Isto já não é uma coisa leve. A coisa complicou-se”, refere.

O especialista acredita que o Tribunal de Haia teve responsabilidades no sucedido e que uma prisão com tanta tecnologia deveria evitar episódios como o ocorrido com “Slobo”. “Este julgamento era importante para o mundo em geral e Milosevic devia ter tido cuidados de saúde”, diz.

Rados acredita que o comportamento do TPI não foi o mais correcto e aponta contradições nas decisões dos responsáveis em Haia. Referindo-se à possível adesão da Cróacia à UE, o professor da FLUP critica Carla del Ponte, a procuradora do tribunal.

“Primeiro disse que a Croácia não tinha condições para aderir porque não colaborava com o TPI, depois já disse que tinha. Estas contradições são coisas que não podem ser despercebidas. Desde a criação deste tribunal que ele está envolto em polémica. Muitos juristas põem em causa a sua legitimidade. Muitos acham-no ilegal. O próprio Milosevic também”.

Acerca do julgamento, o especialista em Ciência Política acredita que o processo arrastou-se no tribunal devido à falta de argumentos que o tribunal detinha em relação à acusação de genocídio. Sem inocentar Milosevic, que segundo diz “fez muita coisa má”, Milan Rados lembra que há outros responsáveis que não foram acusados.

“Milosevic fez muita coisa má. É responsável em boa parte, mas não é o único. Há outros, do outro lado do conflito que nem sequer foram acusados, como o presidente da Cróacia daquela altura, Franjo Tudman, quando foi acusado pelo representante da comunidade internacional para a guerra na Bósnia de crimes de guerra. Depois o representante foi silenciado. Também o líder dos muçulmanos na Bósnia. Ambos morreram e o assunto ficou como resolvido. Agora Milosevic também morreu”, diz.

Quanto à polémica em torno do funeral, o professor minimiza a questão e pede respeito pela família do ditador. No entanto, relembrou que pelo facto de ser um enterro político, os actuais governantes da Sérvia temem “que este envolva um movimento de contestação do governo”. “A coligação que está no governo é muito fraca. Guerreiam-se entre eles e o governo pode cair”, alerta.

David Pinto
Foto: Miguel Lourenço Pereira/Arquivo JPN