O Supremo Tribunal considerou “aceitáveis” os castigos corporais aplicados pela responsável do lar do Centro de Reabilitação Profissional em Setúbal a crianças com deficiências mentais, noticia hoje, quarta-feira, o jornal “Público”.

A Associação Portuguesa de Deficientes (APD) classifica a decisão do Supremo Tribunal como “intolerável”. Ao JPN, António Matos de Almeida, dirigente da associação, diz que “o uso de violência sobre as crianças que são as mais frágeis de todas é criminoso”.

A responsável do lar tinha sido condenada pelo Tribunal de Setúbal a 18 meses de prisão, com um ano de pena suspensa, acusada de maus tratos sobre crianças com deficiência mental. O Ministério Público recorreu da decisão e a arguida foi agora absolvida pelo Tribunal Supremo, sendo condenada, com pena suspensa, apenas por um dos casos.

Este caso evidencia “erros genéricos na sociedade que contribuem para que situações como esta tenham lugar e se repitam”, diz António Matos de Almeida, referindo-se ao isolamento de crianças com deficiência mental em instituições, onde não existem outras crianças que não sofram de qualquer deficiência, “em vez de as incluírem em instituições de carácter aberto”.

Em comunicado, a APD refere a inconstitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal na medida em que “viola os princípios da Declaração dos Direitos das Crianças”. A associação pretende recorrer a “todos os meios que a lei disponibiliza para que esta decisão seja anulada”. A decisão do Supremo “não é defensável em lugar nenhum do mundo, em nenhuma ocasião”, acrescenta.

“Precedente para casos semelhantes”

Os juízes do Supremo Tribunal consideraram os actos da responsável do lar de Setúbal como “aceitáveis” e acrescentam que os castigos corporais moderados se justificam na educação. Não dar umas “palmadas” pode mesmo “configurar como negligência educacional”, refere o acórdão do Supremo a que o “Público” teve acesso.

No entanto, disse o dirigente da Associação Portuguesa de Deficientes, “saber o que é moderado é muito subjectivo” e a posição do Supremo Tribunal relativamente a este caso específico pode “levar à interpretação de que agredir as crianças não tem qualquer problema”.

Também Pedro Biscaia, membro da Comissão dos Direitos do Homem da Ordem dos Advogados, se mostra “preocupado” com a decisão do Supremo Tribunal, porque “este caso poderá abrir um precedente para casos semelhantes de maus-tratos por servir como exemplo de mão leve”.

“Hoje em dia assistimos a cada vez mais casos de pobreza e miséria e as agressões a menores em instituições ou em famílias de acolhimento podem ser consideradas desculpáveis”, disse o advogado ao JPN.

Inês Castanheira
Paula Teixeira