Lee Beagley, depois de anos a encenar peças de forma tradicional, cansou-se da distância entre o palco e a plateia. “Ficava cada vez mais entediado. Sentia-me entusiasmado durante os ensaios, mas depois, durante o espectáculo, a distância entre o público e o palco aborrecia-me”, explica o encenador inglês, que dirigiu a peça “Vale o que vale”, agora em cena no número 48 da rua de Entreparedes, junto à praça da Batalha, no Porto (de terça a domingo, às 21h30, até 28 deste mês).

“Vale o que vale” é a história de um homem, Tomé, que trabalha num banco e que “um dia faz algo muito irracional: apaixona-se em poucos segundos porque uma mulher lhe falou e tocou na mão e rouba um banco” para dar o dinheiro a essa mulher, afirma Beagley. “Mas depois ele descobre que ela não está apaixonada por ele e que ele até nem gosta muito dela, mas agora é um criminoso”.

O roubo é apenas o início da jornada percorrida não só por Tomé, mas também pela sua mulher e filhas e pelas personagens bizarras que Tomé encontra no caminho. Segundo Lee Beagley, é uma história sobre “o materialismo na sua pior forma” e também sobre “a obsessão pelo trabalho e pelo dinheiro”, explica um dos actores, Gilberto Oliveira.

“Vale o que vale” foi adaptado por Lee Beagley a partir da peça “Von Morgens bis Mitternacht” (1916) do dramaturgo alemão Georg Kaiser, que viu a Alemanha ascender ao nível de potência mundial e se apercebeu de que “as pessoas deixaram de contar, começaram a ser apenas números”. “Kaiser escreveu as suas peças a partir da ideia de que cada homem ou mulher existe no meio de uma multidão”, declara o encenador.

“Dar ao público a possibilidade de estar perto”

A peça decorre através dos vários andares e salas de um edifício antigo: os actores vão avançando e o público segue-os, sentado confortavelmente em cadeiras num quarto ou encolhido contra a parede de um escritório. A companhia Produções Suplementares trabalha em espaços alternativos, desafiando o teatro convencional, aproximando-se do público.

Lee Beagley cansou-se do teatro tradicional (encenou inúmeras peças de Shakespeare e também “Anjos na América”) e já tinha alguma experiência com circo, teatro de rua e até dirigiu uma peça num navio. “Continuo a querer fazer coisas teatrais, mas quero dar ao público a possibilidade de estar perto”, diz. Já em Portugal, encenou algumas peças em espaços alternativos com estudantes da ESMAE e com a Produções Suplementares e obteve “uma resposta muito forte do público”.

“Estar ao ouvido do público”

O público português tem uma “resposta mais táctil” ao teatro, deixando-se levar apenas pela curiosidade, afirma o encenador. “Mesmo que encene uma história bastante artística e literária, sei que as pessoas vão desfrutá-la através das sensações, e isso é que é importante”, acrescenta.

No entanto, Beagley não considera que o teatro convencional se está a tornar obsoleto, mas vai dizendo que o “snobismo”, muito presente no meio, afasta as pessoas do teatro. “A chave de qualquer teatro a que se assista é a identificação. Os actores fazem-se tão importantes no palco – por que é que não me contam simplesmente a história?”.

O actor Gilberto Oliveira defende que o importante é “que seja bem feito”, seja no palco ou na rua. “Mas aqui temos a facilidade de estar ao ouvido do público”.