O piano toca enquanto nos sentamos. Um dos personagens, de “paletó”, chega-se à frente e equilibra-se sob a bengala: diz já não ser revolucionário. Será que não o é?

Há corpos estendidos no chão, gente que chora a sua condição e se interroga sobre o que se passa no mundo. Ivan, o terrível, cai na Rússia e o comunismo é implementado; no Porto, já se espalha o medo da revolução. Há quem permaneça incógnito, com o rosto coberto pelas vendetta, as máscaras dos Anonymous, a percorrer o palco numa azáfama imensa, sem rumo. Só depois surgem as questões. “Será que sou realmente livre?”; “Qual o meu papel na sociedade?”; “Há alguma forma de todos estarmos em harmonia no mundo?”; “Será que ainda não sabemos dizer ‘nós’?”.

“Despertar consciências e levar a uma cidadania mais ativa””. É este o mote para a peça encenada por João Paulo Costa, “A revolução dos que não sabem dizer ‘nós'”, em cena no Teatro do Bolhão, no Porto, até 22 de setembro. Uma lição de história? Um espetáculo musical? Esta peça vai mais além: é uma permanente crítica à sociedade, um jogo de ironias, um abanão consciente na mente do espectador.

Criada no âmbito escolar na Academia Contemporânea do Espectáculo (ACE) e encenada pelo Teatro do Bolhão, “A revolução dos que não sabem dizer ‘nós'” já tem três anos. No entanto, os criadores decidiram remontar a peça, mas agora para plateias mais alargadas, com uma equipa unicamente formada por ex-alunos da ACE. O objetivo? “Criar uma dinâmica artística na cidade, já que os meios estão extremamente escasso” conta João Paulo Costa em conversa com o P3.

Intervenção política

“O teatro sempre foi uma forma de intervenção política. Não nos podemos esquecer do Shakespeare ou Molière. Esta peça pretende despertar consciências”, diz João Paulo Costa, “e levar a uma cidadania mais ativa. O que está a faltar é um enquadramento mais firme, mais político. As pessoas praticamente não se mexem. Mas estamos muito afastados da atitude panfletária”, salienta.

A história, a política, a religião, ou simplesmente a cidadania. Estes são os temas que se interligam ao longo da peça e que, em conjunto com a música que encerra cada ato, nos fazem interrogar sobre o nosso passado, o presente e o futuro. Se a história é fulcral para entendermos o mundo onde vivemos? O encenador é peremtório: “A história é fundamental para não cometermos os mesmos erros do passado, ou pelo menos para errarmos menos”.

O texto de Zeferino Mota é como uma manta de retalhos da história, da literatura, de relatos ou vivências. “Isto é, trabalhado através da construção de uma série de cenas, cada uma tem referências históricas ou literárias. Algumas também nasceram de relatos de família, amigos, conhecidos ou simplesmente memórias pessoais”, conta Zeferino ao P3. Se esta peça é importante para os jovens? “Com a nossa humildade, creio que sim. O espetáculo é simples e passa de uma forma clara para as pessoas. E não deixa de ser um repto ao acordar das pessoas”, afirma João Paulo Costa.

O texto e a dramaturgia são obra de Zeferino Mota, enquanto a direção musical está entregue a Ernesto Coelho. O elenco é constituído por Ana de Jesus, Ana Luísa Queirós, Miguel Lemos, Pedro Roquette, Rita Lagarto e Tiago Araújo. O espetáculo apresenta regularmente um tom irónico sobre a história e a sociedade, tanto nos diálogos, como nalgumas músicas escolhidas. Percebe-se a intenção mal se ouve “Acordai”, de Fernando Lopes Graça e José Gomes Ferreira.

O espetáculo pode ser visto de quarta a domingo, sempre às 21h30. A entrada é gratuita, mas está sujeita a reserva.