Como é que surgiu a ideia de criar a Napalm?

Eu sou ator, encenador e sempre trabalhei como intérprete, para outras pessoas. Mas eu apesar de gostar muito da vertente de interpretação, sempre me interessou muitíssimo a parte da direção, de ser eu a criar os meus próprios espectáculos. Apesar de ir fazendo alguns trabalhos pontualmente, a maior parte do meu trabalho era sempre para outros. E não é que isso seja mau, mas porque não criar uma coisa para desenvolver, ter a oportunidade de fazer o meu trabalho, com as minhas preocupações, o meu tempo, podendo fazer às vezes as minhas próprias programações, sem estar sempre limitado a coisas externas? Claro que isso é uma ilusão, depois chegamos aqui e começamos a perceber que temos outras limitações a outros níveis, mas a ideia foi essa, foi poder desenvolver trabalho próprio.

O nome

“Napalm é o nome de um explosivo muito utilizado no Vietname e também foi utilizado pelos portugueses na Guerra Colonial. Portanto está conotada como uma coisa má, mas não é essa a nossa intenção. Neste caso, Napalm tem a ver com o tipo de coisas que nós pretendemos fazer, ou seja, a ideia de sermos um grupo, não é de intervenção, mas é de não deixarmos ninguém indiferente. As pessoas que vão ver os nossos espectáculos são quase como que submetidas a uma explosão que faz com que não consigam sair de lá indiferentes, daí Napalm. A Napalm é uma explosão de coisas, no sentido positivo da arte e não da destruição”.

Passando agora para a forma como a companhia atua: não se limitam ao teatro e à dança, mas utilizam também a fotografia, o vídeo… Porquê seguir esse caminho e não o mais “tradicional”?

A arte modificou-se muito ao longo dos últimos 50, 60 anos. E nós não podemos ficar parados no tempo, e eu com certeza não quero ficar parado no tempo. A ideia, para mim, é sempre de futuro. Antigamente existiam as vanguardas, nos anos 60. Supostamente há quem diga que isso hoje acabou. Mas, acabando ou não, eu quero continuar nessa ideia de: não posso querer dizer que somos vanguardistas porque não somos. A ideia é um dia conseguirmos catapultar a Napalm para um patamar que hoje, para nós, ainda é quase impensável.

E então, ao usar, num único espectáculo, todas essas formas de arte, não acha que pode distrair o público do ponto fulcral?

Não. (risos) Não, e tudo depende da forma como o espectáculo é construído e daquilo que nós queremos que as pessoas vejam, ou que interpretem, ou que compreendam. Há bons e há maus espectáculos, mas à partida todas as coisas, se fazem parte do espetáculo, é porque são importantes, estão lá por algum motivo. Portanto, se nós misturarmos o vídeo ou uma projeção qualquer num espectáculo é porque isso faz falta…

E a reacção do público, tem sido positiva?

Sim! Tem sido positiva, até hoje. Tem corrido bem.

Acha que uma das razões que o fez criar esta companhia foi também fazer com que as artes, no Porto, ganhassem mais importância?

Sim, mas eu acho que no Porto as artes têm muita importância. Podiam ter mais, mas o Porto é uma cidade privilegiada a esse nível. O Porto, com os estímulos certos e com o mínimo de preparação, e quando eu digo o mínimo é porque acho mesmo que não seria preciso muita coisa, o Porto conseguia.

Mas o que é que lhe falta?

Falta-lhe alguma direção e falta-lhe algum apoio, porque a quantidade de pequenas e médias companhias que existem no Porto, até no distrito do Porto, são imensas. E poderiam ser até muitas mais. Se elas começarem todas a formar redes e a trabalhar em cadeia, o que não quer dizer que trabalhem sempre umas com as outras, dá uma sopa criativa muito grande. Até porque depois nós não temos só o teatro. Temos o teatro, a dança, até, por exemplo, os ateliês de arquitetura, design, etc. Há aqui um nicho cultural muito grande. E nem sempre é preciso dinheiro. Às vezes não é preciso dar dinheiro, é preciso deixar as pessoas trabalhar. Se deixarem as pessoas trabalhar já é um bom apoio.

Como já referiu, os custos são uma das razões que dificultam o desenvolvimento das artes, em Portugal. Qual é a sua opinião quanto ao apoio do Estado às artes, no país?

Nesta altura, falar de apoio do Estado a seja lá o que for é uma complicação. E custa um bocado, porque por exemplo, se formos pensar na questão da Segurança Social, da Saúde, da Educação, nós vemos que isto está mau em todo lado neste momento. As artes sempre estiveram más. Agora estão péssimas. Mas nós também sempre soubemos viver com muito pouco, e de alguma forma arranjar sempre maneira de desenrascar. Mas esta politica do desenrasca não é algo bom, porque isso é o que faz com que as coisas não cresçam. Enquanto as pessoas ou as entidades estiverem sempre a pensar em como é que vão conseguir pagar as suas despesas de subsistência, não conseguem dedicar o tempo necessário a fazer o que deviam fazer, que neste caso, numa companhia de teatro ou dança é criar espectáculos. E a maior complicação está aí.

Tendo em conta tudo isto, o que é que acha da posição de Portugal em relação ao estrangeiro. Estamos atrasados?

Estamos muito atrasados. Essa é fácil. É daquelas respostas de sim ou de não. Sim, estamos, muito atrasados e, infelizmente, sempre estivemos. Agora, Portugal tem qualidade, Portugal tem capacidade, mas está 300 anos atrás, porque as coisas não chegam. Nós para ver certo tipo de grandes espectáculos ou vamos ao estrangeiro ou eles não vêm cá, e isso é um atraso.

“Se é ator ou bailarino ou é drogado ou é homossexual”

Mas, se calhar, as artes acabam por sair mais prejudicadas devido ao preconceito que sempre houve em volta delas.

Sim. Porque é assim… se é ator ou bailarino ou é drogado (risos), e digo isto com toda a frontalidade, ou é homossexual, ou tem problemas mentais… há uma data de questões. Ou não quer trabalhar, sim porque os atores não trabalham, os atores não fazem nada (risos). Portanto, sim, mas isso é um preconceito que existe e acho que vai existir sempre. Acho que raros são os países onde isso não existe, talvez o Brasil, os EUA, a Inglaterra… Depois há outra coisa que é: a cultura não “alimenta fisicamente”, ou seja, a cultura não tira a fome. Alimenta outras coisas. E as pessoas, em épocas de crise, a primeira coisa onde vão cortar é na cultura.

Posto isto, o caminho é a emigração, ou será que também é possível ter sucesso, nas artes, em Portugal?

É possível tê-lo no país. Mas eu até há um ano atrás nunca tinha pensado em emigrar. Ir lá fora sim, estar lá seis meses ou um ano… Porque para mim o sentido de emigração é pensar em ir e não saber quando é que se volta. Mas já pensei nisso muitas vezes, porque há um estrangulamento muito, muito grande e muito sério em Portugal, e eu tenho usado uma imagem que acho que serve muito bem para explicar a forma como o penso: se fôssemos comparar o teatro a agricultura, nós, enquanto agricultores de teatro, não queremos ser subsídio-dependentes e tentamos à mínima força fazer a coisa de outra maneira. Nós damo-nos ao trabalho de arranjar a terra, conseguimos arranjar pessoas para a trabalhar, até conseguimos arranjar as sementes, nós só queremos que nos deixem plantar, mas é que nem sequer nos deixam plantar. Acho que nesta altura a questão já nem é de pedir sementes, é de nos deixarem plantar, trabalhar. Se nos deixarem trabalhar, nós não vamos chatear ninguém.