Atrás dele ia um, às vezes dois, quando não eram três ou mais. Partilhavam todos a mesma angústia: não serem capazes de alcançar Eusébio (1942-2014). “Como é que é possível?!?”, certamente pensariam eles. Aquilo por que tanto corriam, a bola, corria três vezes mais nos pés do português. Para Eusébio, ir do meio-campo à grande-área era como ir daqui ali e, quando lá chegava, sobrava sempre para os guarda-redes, que tinham de dar o corpo às balas – ou seriam mísseis? – que, normalmente, entravam nas balizas.

Quem não se lembra de tudo isto? Poucos, provavelmente. Poucos, porque, mesmo os que não viveram na época áurea de Eusébio, sempre tiveram acesso às imagens que, ainda hoje, celebrizam os feitos do futebolista. E será por isso que, segundo Ana Santos, doutorada em Sociologia, professora na Faculdade de Motricidade Humana (FMH) da Universidade Técnica de Lisboa e autora do trabalho “Heróis Desportivos, de corpo a ícone da Nação: estudo de caso de Eusébio“, o ex-jogador do Benfica e da Seleção Nacional será para sempre uma lenda, além das outras características que para isso contribuíram.

“Em primeiro lugar, por ter vindo das colónias, funcionando politicamente como um símbolo da conciliação entre Portugal e os países a que essa identidade estiveram associados. Por outro lado, as características físicas que ele tinha, que lhe permitiram, mesmo magoado, continuar a jogar. E, depois, o facto de ser pobre e ascender a este mundo luminoso ajuda a enaltecê-lo mais. Mas, principalmente, porque foi o primeiro a aparecer na televisão”, explica ao JPN Ana Santos.

Clubes representados

1959/60 – Sporting de Lourenço Marques 1960/61 e 1974/75 – Benfica
1975 – Rhode Island Oceaneers e Boston Minutemen
1976 – Monterrey e Toronto Blizzard
1976/77 – Beira-Mar
1977 – Las Vegas Quicksilvers
1977/78 – União de Tomar
1978 – New Jersey Americans
1980 – Buffalo Stallions

O facto de a imagem de um jogador de futebol fora de série ter sido propagada por todo um país e até para fora dele, e não só para as pessoas que estavam num estádio, fez de Eusébio a lenda que perdurará. “É o primeiro a ser filmado, que nós conseguimos ver. Os golos todos, repetidos, ‘n’ vezes, mais ‘n’ vezes. E o facto de ter feito golos impressionantes catapultou-o para este patamar”, refere a especialista.

“O moçambicano mais português de Portugal”

Eusébio da Silva Ferreira faleceu este domingo, com 71 anos, vítima de insuficiência cardiorrespiratória. Foi o apito final de uma vida repleta de êxitos. O auge antigiu-o ao serviço do Benfica – onde marcou 638 golos em 614 jogos e venceu 11 campeonatos nacionais, cinco Taças de Portugal e uma Taça dos Campeões Europeus – e da Seleção Nacional.

“Em 1966 já tinha um livro publicado em inglês sobre a história de vida dele”, conta com surpresa Ana Santos, enumerando um dos materiais que utilizou na investigação que fez sobre o futebolista. “Os ingleses ficaram chocados com o facto de terem, numa equipa europeia, um negro que jogava melhor do que eles! Portanto, para manter mais ou menos a hierarquia, apelidaram-no de ‘Pantera Negra’, dando a ideia de que a qualidade dele provinha da natureza, não era algo trabalhado”, revela.

Foram, no fundo, todas estas peripécias que tornaram Eusébio num “símbolo sem fronteiras” e, ao mesmo tempo, no “moçambicano mais português de Portugal”. Epítetos e dimensões que, atualmente, segundo Ana Santos, dificilmente outro atleta poderá atingir. “Hoje, o número de jogadores é elevado e perdeu-se a noção das fronteiras. Obviamente que o que fica é quem veio primeiro: o Eusébio no futebol, o Joaquim Agostinho no ciclismo, a Rosa Mota e o Carlos Lopes no atletismo. Depois disso, os outros vão congregar as camadas mais jovens, mas o que vai ficar para a história é o primeiro, e o primeiro é único”.